Cena

Às vezes eu fico me perguntando qual é o propósito dessa existência, no meio de tanta coisa que não me agrada. E as fantasias que eu edifico estruturadas apenas com aquilo que está a minha volta. Se isso é vida, a morte física deve ser pior, por não ter nada para apalpar, senão melhor por não precisar apalpar coisa alguma.

Às vezes não sei se me perdi na zona eleitoral, depois da minha sessão, ou se tudo está distante e o sol quente demais para caminhar um longo percurso a pé. Eu estou cansado e não enxergo nada que esteja a um palmo de meus olhos, não vejo o óbvio, o sólido, o lúcido.

Às vezes eu quero tudo e outr’hora nada. É um absurdo acreditar na vida quando vida nos falta. Ter vontade de fazer o que o corpo sequer sente, e sentir aquilo que a mente não sabe consentir.

Eu odeio ter que definir tudo o que eu sinto e explicar direitinho para qualquer pessoa que questione o simples estado de raiva pelo qual estou passando, a alegria que me liberta um riso ou a estafa que me deixa centrado. Eu não sei existir em meio à gente desse entorno, que consome o que de mais precioso me falta: a vida que não sinto, mesmo estando a viver essa irreal realidade presunçosa e não potencial.

Às vezes eu me equivoco com coisas muito simples, pela simplicidade de minha limitação ideal, pela demasiada vontade de ser ideal, pela credulidade e pela incredulidade mantida em relação aos mitos, que nos cercam, que nos cercam, que nos cercam, mas que eu não vejo e não sinto, e não vejo e não sinto, e vejo e não sinto, e sinto e não vejo, eu não sei o que sinto, muito menos o que vejo. Eu não sei nada, eu não sei de nada, eu não sei!