Princípio

Fim. Fim da linha. A estrada não continua. Nem que tivesse um bilhete para o infinito. Aqui termina. Pode ser um dia, pode ser que haja um dia mais longo. Viver. Viver as horas distribuídas de um outro modo. Passei por canais, numa alameda estavam as árvores que estarão no futuro. Alguém cantou com voz solene o vazio. Olho a beatitude de um rio, rio à névoa, quase, quase aquele lago é um espelho da noite. Escrevo. Escolho uma palavra publicitária e começo um poema. Digo para mim, para mim, o rosto fixo nos vidros, o autocarro vai para o seu fim. Quando sair, pense no que me disse, a manhã que havia em ti, o brilho te coroava as pálpebras, vamos ver os navios, haverá sempre navios à entrada da eternidade. Se penso a solidão, se de uma linha nasce a melancolia, ou deus ou o vento ou vendem-se refrigerantes, e mesmo se o tédio nos acompanha numa viagem até ao fim, tiro outro bilhete até ao fim da linha. As aves vão mais longe que o céu, em princípio. Deixo os dedos sobre o tampo da mesa, o café vai fechar. Escrevi apenas a matéria cerzida do quotidiano, não me posso esquecer deste princípio. A eternidade não é mais do que voltar aqui, um dia pelo flanco das horas, enquanto as aves correm como todos os deuses que inventamos, nada que me possa sugerir outra crença.