Conexão

 

Diante de um computador eu me sento, numa sala escura. Fecho os olhos por um instante, como se fizesse uma oração. A tela, diante de mim, traz ao fundo a foto das crianças, como que para lembrar-me o quanto os amo. Cada segundo de espera serve para avaliar as horas do dia que se foi. A conexão é lenta, mas aos poucos se estabelece e entro em um mundo sem fronteiras, que as pessoas insistem em chamar de “virtual”; na verdade é um mundo real como qualquer outro. Ser abstrato é o que o faz tão diferente.

Meu coração e minha mente geram pulsos de um sentimento assim estranho, que percorre cada parte de mim, como se precisassem encontrar urgentemente uma saída. Os pensamentos encontram os músculos e nervos dos braços, das mãos e dos dedos... Eis a saída! E passo a tatear o teclado, buscando dar forma às palavras que a mente cria... O toque metódico gera estalidos que perturbam o silêncio da noite, mas não quero acordar ninguém. Meus sentimentos parecem tão estranhos quando os vejo como um martelar de dedos diante de uma mesa de teclas e sinais... Apenas um toque mecânico, mas a mágica por trás disto acelera elétrons, da mesma forma que os sinais viajam dentro de minha cabeça... Tudo o que penso e sinto, transformado em um código binário, como se minha própria alma fosse decodificada e lançada, em forma de bits, para dentro de um computador. Foge ao meu controle aquilo que pensei, porque se torna apenas energia circulante. Meus sonhos, minhas dores, meus amores, meus planos e meus sentidos se refletem na tela diante de mim. São os ecos visuais de meus pensamentos, que tomam forma e cor instantaneamente diante de meus olhos, enquanto se multiplicam os elétrons que se vão vertiginosamente, cruzando ruas, através de um provedor que sequer suspeita o que seja esta parte de mim que se liberta. São meus sentimentos que vão, com endereço certo, viajando por uma imensa teia de seres interligados; cada um com seus próprios bits, amores, dores, luta, tudo... Mas, como todos, meus elétrons têm destino certo, e passam por lugares que jamais visitei ou visitarei, até que cheguem a outra máquina e comecem a reverter sua estranha transformação. Logo chegam, com forma, luz e cor, diante dos olhos de um outro ser que me corresponda... Está feita a conexão! Dos olhos ao cérebro em milésimos de segundo e nos aproximamos! Estamos juntos, finalmente, ainda que milhares de quilômetros nos separem! Toda a tecnologia moderna criada e recriada para que atinjamos este sublime momento em que nossas almas se tocam! Juntos, saboreamos experiências, sentimentos, pensamentos e palavras; compartilhamos, por momentos, a própria vida. Ainda que entre nós existam milhares de quilômetros de cabos, fibras óticas, placas, transistores, chips... Nada mais importa! Tudo se torna irrelevante, porque nossa conexão é telepática: penso, e meus pensamentos chegam ao cérebro de alguém em qualquer parte do mundo, como se este alguém estivesse dentro de minha própria mente... Se não coloco barreiras no que sinto e penso, isto se torna magia, porque emissor e receptor se tornam interligados. Desta forma, rimos, choramos, sonhamos, sem que se ouça o som de uma única palavra, mas apenas o singelo toque dos dedos no teclado ou o silêncio das pausas, quando um instante de reflexão se faz preciso... às vezes uma lágrima costuma rolar, quando esta união se faz mais forte, e nem sabemos bem o que é: se é dor ou alegria, ou se só o alívio daquele que se confessa diante de alguém em quem confia.

E nos tornamos todos analistas, de um modo compulsório, porque aprendemos as sutilezas das palavras, e caímos nas armadilhas da sintaxe. Mas, ao mesmo tempo, deixamo-nos levar por sentimentos mais fortes e nos entregamos à telepatia, ou algo além, a interação das nossas próprias almas que se tocam, ainda que distantes!

Assim, quando alguém me diz que não entende como consigo ficar teclando por horas a fio, nada digo, apenas penso: Deveríamos deixar que nossas almas se tocassem um pouco mais, e talvez você compreendesse! Talvez percebesse quão as relações entre internautas se assemelham a tudo mais que vivemos. De tudo há um pouco, mas é importante que continuemos tentando, porque “relacionar-se” é exatamente isto: Dar e receber! É deixar que as almas se toquem! É manter o “provedor” sempre em dia, para que a conexão nunca caia, e para que nenhum vírus novo nos venha corromper os melhores arquivos (quero dizer: momentos) de nossas vidas!

Poeteiro
Enviado por Poeteiro em 28/02/2009
Código do texto: T1462167
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