A aurora dissolve os monstros



Pensamento estocado de lembranças, como um esquilo que armazena sonhos para as horas frias e nelas, resta o sono e uma música tocando baixinho: "I've got you under my skin" Há algo que se desprende como o calor de um sonho antigo, doído: Teu rosto na penumbra, teus olhos fechados, gozando. Teus lábios traduzem no silêncio o mais perfeito ne me quite pas. Ah, Esse amor fiado na seda dos desapegos, antes mesmo da despedida, de quem gera, cria e devolve ao mundo. Ele é a única beleza no fuso dessas horas em que os labirintos me acuam e apontam todas e nenhuma saída, mas meu fio de Ariadne reluz prateado como luas cheias de prazer que um dia, invejaram nossas noites. Não, eu não temo o Minotauro porque tudo que existe no meu centro sou eu luzindo como um farol num mar infindo. Essa é a plenitude do navegador solitário - nenhum tesouro conquistado, mas também, não há monstros a serem aniquilados e ainda que eu tenha falhado em juntar todos os pedaços, tropeçando na sublimação dos desejos que julguei ordinários, continuarei brilhando e até mesmo a Nau Bêbada, a deriva, sem nenhum sujeito, encontrará um porto no meu mar de fluxos e refluxos porque é da natureza do receptivo a tudo acolher. O homem salva vidas, cria o porto e o naufrágio. O mar só devolve à terra o que já está morto. Já não sou sujeito da minha poesia, ela me fez assim... oceano vasto.


  


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Nau Bêbada - referência ao poema de Arthur Rimbaud, "Le Bateau Ivre"