Traição

Jamais soube-se de tal despropósito.

Em casa de gente mui bem apanhada, com os pés por estrado em frente à lareira, comprazíamo-nos com folguedos dos meninos de boa cêpa, enquanto no salão, outros convivas se deleitavam ao som do cravo.

Do meu lado, o jovem rapaz, poeta de pouco talento, fazia a côrte à jovem e estúpida senhorita, que ria de maneira descomposta, ante os galantes sonetos por ele desfiados. Dada a sua limitção mental, não atinava para uma só palavra. Provavelmente nem o poeta.

Trasncorria tudo como de costume, em casa de gente de boa estirpe. Vinho de boa procedência, comida à contento e ociosidade suficiente para o exercício do hedonismo.

Levantei-me languidamente, para travar conhecimentos com os presentes. Pessoas de truz. A mais fina flor das artes (excetuando-se o jovem poeta cretino).

Muitas horas se passaram, e já farto de tudo aquilo, decidi que era hora de retirar-me. Certamente o vinho já havia feito seu estrago dentro de meu corpo, e no outro dia acordaria com muitas dores.

Já na porta do casarão, eis que ouço alarido tamanho, que até o gentio das ruas ouvia. Era a voz de um homen, gritando impropérios, dizendo-se mortalmente ofendido.

Entrei novamente, para tomar parte nesse acontecimento.

A dona da casa, senhora tida e havida como de muito respeito, estava atirada ao chão, chorando qual criança, e suplicando clemência.

Os olhos dos convidados se arregalavam tanto de espanto, quanto de curiosidade. O que teria acontecido, para culminar em tamanha humilhação?

Fui aos poucos me inteirando da inusitada história, até saber que a esposa do comendador fora flagrada nos mais ardentes e lascivos beijos com aquele mesmo poeta cretino, que a algum tempo, cortejava uma senhorita de riso particular.

O poeta, temendo com razão a perda da própria vida, por este ato infame, pulou a janela e fugiu, deixando toda a desgraça recair sobre a pobre senhora que certamente, não entendia muito de poesia. Mau poeta e covarde.

O comendador olhava com tamanho ódio para sua esposa, que foi necessário que os convidados o contivesses, para que não a matasse alí mesmo com a faca que trazia à mão.

Não tendo muita escolha, a tal senhora se viu na obrigação de também abandonar a casa.

Passado o tempo, pude saber de mais alguns detalhes de tal acontecimento.

O jovem poeta fugiu para Portugal, temendo ser encontrado pelo comendador. A esposa traidora e pérfida, foi à sua procura, mas ele já havia seduzido uma tal condessa, e estavam para se casar. Assim, não tendo posses ou quem a guardasse, tornou-se profissional de um lupanar.

Já o comendador, vexado como ninguém, se retirou para o Rio, onde se casou novamente com uma ex-noviça. Mas antes, certificou-se de que ela detestava poesia. Afinal, não custa previnir.

EDUARDO PAIXÃO
Enviado por EDUARDO PAIXÃO em 08/05/2006
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