No canto cego da sala

Meus segredos não têm mistérios

E eu cismo a chorar

Esta miséria gotejante que me sai da boca.

Digo minhas desditas

E dito tais misérias tão indissolúveis

E cortantes quanto o aço.

Sei que às vezes solicito demais

E neste querer me desfaço

Em minutos de dor infinda.

Vaso de sete dores ancorado

Neste compasso rancoroso de espera,

Despedaço-me plácido

E omisso e em silêncio,

No canto cego por trás da porta,

Como decoração que não se fita

Por saber estar ali.

A minha fúria se torna leve tremor,

Até se converter em calmaria enganosa,

Quando a impotência se interpõe

Ao átimo da luta e do sangue.

Ainda que seja belo

O quadro imutável do vaso

No canto cego da sala,

Ainda que seja contemplativo

Aquele retrato de espera

E de lentidão pantanosa,

Além da superfície lisa

Há uma ebulição quase incontida

E o sol que ilumina o quadro

Converte-se em cancro

Que me eriça a alma em trevas.

Sou vaso e sou pedra

Cultivando lascas cortantes

De ódio e desespero,

De medo e angústia mórbida,

Parado atrás da porta

À espera do vulcão que há de modificar

Esta paisagem lerda, muda e que não muda.

Sou animal à espreita

Com seus músculos em repouso,

Mas de olhos argutos, agudos,

Preparando o salto.

Eis que o tempo de paz se finda,

Ainda que você o eternize

Nos segundos perfilados de sua rotina

No brilho perdulário de suas retinas.