IMPRENSA E ESTUPIDEZ NUM LANCE DE CITAÇÕES

IMPRENSA E ESTUPIDEZ NUM LANCE DE CITAÇÕES

In memoriam

aos inocentes

mortos pela barbárie que assola

o território bandeirante.

“O que a sífilis poupou será devastado pela imprensa.

Nos amolecimentos cerebrais do futuro, a causa não poderá ser determinada com precisão.”

(Karl Kraus. “Ditos desditos”)

[Tece, tece, tecedor do vento.

Tece, tece, Joyceware...]

Nas terras de ninguém, local barulhento e ventoso. Eis a redação do Freeman’s Journal:

“Clientela minguando. Um quepodiatersido. Descoroçoando. Jogando. Dívidas de honra. Colhendo tempestades. Costumava receber boas comissões de D. and T. Fitzgerald. As perucas para mostrar matéria cinzenta. Cérebros na palma da mão com a estátua em Glasnevin. Creio faz alguns artigos literários para o ‘Express’ com Gabriel Conroy. Sujeito lido. Myles Crawford começou no ‘Independent’. Gozada a maneira com que esses homens de imprensa mudam quando o vento lhes sopra favorável. Cata-ventos. Calor e frio na mesma brisa. Não se sabe em que acreditar. Num artigo são excelentes até que se leia o seguinte. Esculacham-se grosseiramente pelas colunas e de repente todo o barulho cessa. Camaradas cordiais logo a seguir.” (JOYCE, James. “Ulisses”, 1993, p.96)

Rebate. Rebate. Rebate. Bate! Inferno de barulhada. Como um grande órgão (or)di(n)ário é feito?

“Máquinas. Esmagam um homem a átomos se o agarram. Governam o mundo hoje em dia (...)

As máquinas retroavam em tempo de três por quatro. Rebate, rebate, rebate. Então, se ele ficasse paralítico e ninguém soubesse como pará-las... Artes do demo tudo aquilo(...) Inferno de barulhada que fazem. Talvez ele entenda o que eu (...) Que engula isso primeiro (...) Deus de chague. Jornal de porcos. Bovinamente.” (idem, pp.90-93)

A DEAMBULAÇÃO DOS DESCLASSIFICADOS

[Tece, tece, tecedor do vento.

Tece, tece, Joyceware...]

Paisagens urbanas, rochedos errantes. Eis o anonimato do indivíduo e as facetas do cotidiano dublinense:

“Cashel Boyle O’Connor Fitzmaurice Tisdall Farrel caminhou até as vitrinas acolhedoras do senhor Lewis Werner, então virou-se e esgalgou-se de volta pela Praça Merrion, sua bengalaguardachuvaguardapó balançando.

Na esquina do Wilde ele parou, testirritou-se para o nome de Elias anunciando no Metropolitan Hall, testirritou-se ao distante jardim de recreação gramado do duque. Seu monóculo rebrilhava irritado ao sol. Com ratidentes à mostra ele resmungou:

_ Coactus volui.

Esgalgou-se adiante para a Rua Clare, remoendo sua blasfémia feroz.

No que se esgalgava além das janelas odontológicas do senhor Bloom a oscilação do seu guarda-pó escovou rudemente em quina uma débil bengala tacteante e arrastou-se à frente, tendo esbofeteado um corpo emusculado. O rapazinho cego virou sua cara doentia em pós a forma esgalgante.

_ Que Deus te castigue - disse amargo -, quem quer que sejas! És mais cego do que eu, seu filho da puta!” (ibdem, 1993, p.189)

Contudo, de súbito, um brado:

_ Psiu, silêncio no inferno de Dublin!

... e ouve-se, então, um canto, e, em seguida, uma distante voz sussurra:

_ DEVO DESISTIR AGORA? “Se eu desistir agora, a humanidade perderá seu contador de histórias; e se a humanidade perder seu contador de histórias, perderá também sua infantilidade.”

(o personagem Homero in “Asas do Desejo”) (1)

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NOTA

1. Passagem extraída de um trecho do monólogo de Homero, personagem do filme "Asas do Desejo" (1987), de Wim Wenders.

PROF. DR. SÍLVIO MEDEIROS

Campinas, é outono de 2006