ponto de mutação

Dizem que o amor vem com tempo. Discordo. Este é um outro tipo de sentimento, ao qual chamamos inapropriadamente de amor, surgido da necessidade tipicamente terráquea de mensurar, da mania de contar as horas e do cansaço das falácias do cotidiano. Muito provavelmente, advém do nosso tédio e nossa dúvida, insegurança, incerteza e medo da solidão que não desgruda da pele.

Mas descobri que amor é mesmo uma coisa cósmica, uma fonte de luz pulsando na terra, um manancial acetilsalicílico que, pingado à larga no estômago, ativa pequenos pontos iluminados na mente, dando início a uma batalha olímpica para vencer a guerra contra a dor. É um sentimento lato e analgésico. Abre o caminho das veias para o sangue correr frouxo, leve e límpido como uma cachoeira. Por isso, atrai liberdade. Solta as cordas do relógio, desmecaniza o pêndulo e polariza os azuis presentes na natureza.

Como todo elixir alquímico, é difícil de ser encontrado e produzido, constituindo-se no achado de uma saga que pode durar muitos anos e tentativas frustradas, quiçá uma vida inteira. Uma busca que vai dar na miragem de um quasar ou atrás dos olhos; num relicário revestido por uma finíssima película, que somente poderá ser rompida pelo som de uma veludosa voz. Cabe em sonhos de viagem escondidos na mala, em meio a roupas velhas e naftalinadas, ou dentro dos cristais mais finos do pote de açúcar com o qual se adoça o café amargo no meio de um expediente vazio. Também, naquelas conexões insuspeitáveis dos acordes de uma melodia jazzistica, somente audíveis quando sob o efeito de psicotrópicos fortíssimos. Enfim, talvez o amor seja isso: o grande mistério do átomo. Evento indiscutível. Ou discutível até o talo.

Jan Morais
Enviado por Jan Morais em 23/05/2006
Reeditado em 12/06/2006
Código do texto: T161519