É Tarde

"É a hora de dar baixa do corpo neste lugar"

Paulo Teixeira

Lembro um dia, lembro. A vida onde se volta quase sempre. Fechamos a porta de um quarto, nunca sabemos o que ficou de nós ou o que escrevemos para que nada falte: à despedida de outras vogais. E os sentidos nos atordoam - por que somos o que não sabíamos. Agora os campos estão mais verdes e o vento não é o mesmo que desce em filamentos pelo espaço. Talvez nada se repita, a circunstância de olhar as aves declinando no crepúsculo. Teremos de percorrer as paredes da casa e entender as nossas sombras como imagens desconhecidas. Lembro um dia, os dias que não voltam.

Escrever para não esquecer o que somos. Cumprir rigorosamente o quotidiano, atravesso um caminho, vias traçadas no corpo numa qualquer obscura data. Nada se perdeu no ar velado nos pulmões, nada se perdeu e podia de um qualquer modo efémero – descreve-me as árvores de um jardim que existe ou as aulas de um sonho feliz, uma varanda para deixar a melancolia secar ao sol. Digo o meu nome a estas praias ilustradas do destino. Acumulámos num abismo cada instante e sempre é tarde ao entender a memória intacta. As portas que fechámos ao vento da manhã.

Sempre é tarde. O esquecimento mais alto. Sempre é tarde: aqui onde volto.