Diário noturno (4)

Paro prá escutar os grilos. Mas eles param porque agora um galo canta. Aqui os galos cantam a qualquer hora. Paro prá escutar os galos. Mas agora eles param. Será que me escutam? Aqui as corujas espiam a noite pelos muros de hera, os pássaros constroem ninhos no beiral da janela e os micos passeiam entre os galhos e os fios elétricos.

Quando o dia amanhece, os restos da noite brilham.

Aqui as noites sempre deixam vestígios.

Eu amo os bichos e tudo que há em torno deles.

Também amo escrever, por isso, às vezes, eu paro... paro prá escutar os motivos.

Às vezes o motivo é um simples querer que pesa nos olhos... e eu ando querendo uma poção mágica de felicidade instantânea. Ando querendo qualquer coisa que valha.

Um grão solúvel, uma cápsula de óleo de prímula ou linhaça, uma água de feiticeira que, de gota em gota, me satisfaça. Um trópico azul num olhar de maio em torno de uma fogueira de astros, um calor de aconchego num ouvir bater coração no teu peito... ando querendo um estalar de madeira, de luz e de língua num estalar de dedos.

Às vezes o ar marinho não traz o alívio e o tempo nem sempre é um remédio.

Às vezes me pego espantando o tédio, como quem espanta os insetos, a fumaça e o medo.