O Monstro

Escuridão da madrugada

O silêncio da cidade é o mesmo

Buzinas de carro

Um bêbado na avenida

Um menino-homem na calçada

E cambaleante de olhos vermelhos

Tal criatura de lado do avesso

Volta para casa

Tem seis mãos e quatro olhos

Dois corações e sete fardos

Quem a vê não compreende

Criatura invisível na noite

Mas há uma criança que a teme

Duas moças e um velho cachorro

O ganido da porrada avisa

O cachorro corre chorando

A porta abre

A chave vira

E tudo agora é pesadelo

É a mais nova o seu alvo

Com sua enorme boca a devora

Ferocidade animal, sem controle

Ela chora, mas não grita

Espera até o monstro ter acabado

E apanha

A outra moça faz barulho

Ele não gosta de barulho

Ela se desculpa, se protege

Mas não consegue, nunca consegue

Grita

Barulho

Ele não gosta de barulho

Mamãe?

Clama a criança, indefesa

Seis mãos, seis palmadas

Com ferro de frigideira

Grita, dói

E ele não gosta de barulho

É mais uma noite

É mais um dia

O pesadelo acaba

Mas nunca termina

E o monstro vive dentro de casa

Mas é carinho, é alegria

É o medo, medo da solidão

Seria uma criança

Duas moças e um cão

Felicidade?

Será que antes amar a mão que lhe bate

A viver na solidão?