Óculos

Como é difícil encarar a face do machismo. Como é sofrido encarar o escárnio do fracasso. Como é dolorido o acordar de um devaneio. De onde buscar forças se acordo atordoada querendo acreditar que foi um sonho ruim como um arroto entalato que oprime o esôfago e não faz questão de sair. Você tem que fazer força para desentalar. Tem que se sacudir para livrar-se do atordoamento.

São anos que passamos sonhando devaneios e de repente acordamos, ou é simplesmente a realidade que não se encaixa mais, como um sapato justo em um pé que não mais desinchará. O que fez este pé inchar? O que fez o sonhador acordar?

Que atenção seletiva direciona o olhar para aquilo que já temos?

Estamos embaixo de uma amendoeira, só percebemos que ela pode nos ferir após a queda de uma amêndoa em nossa cabeça. E então, se enxerga a quantidade de amêndoas no chão e se pensa: elas poderiam ter vindo na minha cabeça, todas, ao mesmo tempo, e me fariam desmaiar. Mas, elas caíram aos poucos, cada uma em um lugar imperceptível. Só percebemos que a amendoeira nos machucaria depois de sermos amendoados na idéia.

Que cegueira é essa que impede a proteção?

Esta cegueira é o amor. O amor são aqueles sonhos. O despertar é o fim do amor. O enxergar é o fim do amor.

Os óculos. Os óculos são a realidade. É preciso mantê-los limpos após colocá-los. Qualquer deslize os faz embaçarem.

Os óculos

Os óculos

O limpador de para-brisa

A tempestade

Cadê a estrada?

Os óculos

Acho que a sujeira é que começou a cair nas lentes.

Escrito em 08/jan/2004

Stella Arbizu
Enviado por Stella Arbizu em 19/06/2009
Reeditado em 07/03/2013
Código do texto: T1656155
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