Dos contos e das Fadas...

Ela nasceu na terra dos tapetes voadores, dos gênios e suas lâmpadas maravilhosas. Ela nasceu mulher, na terra aonde os homens são reis e seus desejos são ordens; ela nasceu em meio a cultura dos casamentos escolhidos e fora prometida a um ilustre desconhecido. Ela tem sorriso tímido e um olhar sereno. Ela conhece todas as regras do convívio, as obrigações de esposa, mas jamais ouviu falar em, fadas, duendes, bruxas e princesas. Seu príncipe já fora escolhido antes mesmo de sua concepção, sua felicidade está cotada no valioso dote que a família receberá ao fazer a entrega prometida. Ela não conhece o sonho, nunca brincou de boneca e da vida, ela sabe que a continuidade de sua cultura depende de seu empenho em seguir os rituais e tradições. Ela fala baixinho e se envergonha quando faço palhaçada e sem querer, ela solta aquela gargalhada. Ela nunca ouviu falar de sapos que viram príncipes, Ela tem passo marcado e horário regrado, nunca leu poesia, nunca vestiu fantasia e nem conhecera a paixão. 

Ela me apelidou de "Sandarila ", jeitinho carinhoso pelo qual eu seria tratada no seu país. Quando perguntei se não seria Cinderela, franziu a testa e disse que não sabia quem era essa tal. Contei-lhe então, a estória da princesinha que perdera a mãe e fora obrigada a fazer faxina para a madastra e suas irmãs e um dia encontrou a felicidade com a ajuda de uma fada encantada, que trazia nas mãos uma varinha com uma estrelinha que brilhava cada vez que realizava um desejo seu. E pela primeira vez, desde que a conhecera, vi seus olhos de 19 anos brilharem, vi um sorriso largo preencher aquele rosto num misto de curiosidade e encanto. Contei-lhe que aprendi que não deveria falar com estranhos quando me falaram da menininha que usava um chapéu vermelho e encontrou um lobo no caminho da casa da avozinha, contei-lhe do mágico de Oz, do mundo maravilhoso de Alice, da moça de pele branca feito a neve que se perdera na floresta e fora encontrada e muito amada por sete amiguinhos bem pequeninos, do menino que não queria crescer, do boneco de madeira que mentiu e por isso o nariz cresceu, da casa de chocolate que a bruxa má preparou para atrair as criancinhas, do pote de ouro que nos espera no fim do arco-íris e de tantas outras figuras encantadas que nossa racionalidade adulta insiste em nos obrigar a esquecer, a dizer que faz parte do passado. Contei que minha infância ainda vive em mim, e é pra lá que corro todas as vezes que o mundo real se mostra cruel. Contei que viajo todos os dias nas letras dos seres encantados que hoje habitam em minh'alma e tanto falei que ela, com os olhos cheios de alegria me pediu para dar-lhe o endereço da fantasia. 

Confesso que nunca imaginei que algum dia encontraria alguém que ainda não conhecesse fábulas, contos, magia... me enganei redondamente. E o fato de que ela jamais ouvira  falar de tais estórias não a faz menos bela. Sua alma pura e límpida é de uma beleza invejável. Em  pleno século 21, num mundo regido pela virtualidade, pela velocidade dos meios de comunicação, pela exacerbação do individualismo e pela inversão dos valores, reencontrar o caminho da fantasia é o que nos move a saber que nossa existência é nada mais que um circulo aonde nossos caminhos se cruzarão com os de muitos outros e de uma forma tão rápida, mas que deixarão marcas de sua passagem por tempos e tempos. Mais ainda, esse encontro me ensinou que não há culturas mais ou menos atrasadas. Há sim, uma diversidade cultural, que deve ser respeitada como parte fundamental da construção de nossa História, de nossa herança e identidade cultural. Aprendi que o que os alicerces que dão sustentabilidade  ao castelo dos nossos sonhos, serão mais ou menos sólidos de acordo com a nossa habilidade no preparo da massa. Há castelos que se desfazem na primeira ventania, outros renovam-se a cada dia no nosso modo de perceber a vida. O tempo passa, mudam as cores, os estilos, os modelos... mas aquele castelo dos sonhos de criança ainda será lindo e magestoso aos olhos dos sonhadores. Hoje eu sei, que enquanto vida eu tiver, sempre lembrarei da menina que marejou os olhos de felicidade quando, pela primeira vez, ouviu falar dessa coisa mágica chamada fantasia e que ainda, insiste em crer que seja eu, a tal princesa Cinderela. 

Pois é...virei ser de fantasia aos olhos dela.





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