Melmória

Melmória

Tal e qual é a vida. Forma simples de descobrir que a verdadeira face do delírio está contida dentro de doces e amargas lembranças. Aquelas que emergem da única e exclusiva Arca do Passado.

Digo que o lacrei. Sem intenção de reabrir. Por meio do gigante chamado Ciência deixei de lado meu passado. Vi em um anúncio: "Pílula do Esquecimento. Procura-se cobaias, digo Voluntários."

Apresentei-me. Passaram-me um frasco. Cem pílulas. Só na primeira dose tive trabalho. Precisei me concentrar em tudo o que queria esquecer. Já esteve às portas da morte? Já viu, ouviu ou leu ou sei lá alguém nessa situação? Pois é. Toda a minha vida diante dos meus olhos.

Servi-me um cálice do melhor porto de minha adega. Meu vinho preferido. Quedas, tropeços, falhas tristezas? Vão embora!

Me esqueci!

Vegetei sabe?

Refletia com meus botões. Teatro. Música. Cinema. Viagens. Paris, Veneza, Madri, roma. Por que me falam tanto dissol? Nada de místico. Nada transcedente. Beber? Só para embebedar. São tolos.

Meu médico me disse que preciso caminhar. Estou bem. Mas algo não. Minhas pílulas? Essas sim super espirituais!

Me disseram que o por-do-sol é maravilhoso. Nada demais. Caminhei. Maldita pedra no meio do caminho! Caí. Espalhadas minhas pílulas. Minha cabeça sangrando. Meus olhos fechados.

Que luz é essa? Aquele ali sou eu. O que estou fazendo aqui em cima? Quero voltar.

Voltei!

Na boca? O amargo gosto da derrota. Na mente? O doce sabor da Melmória.

Julien Mayfair
Enviado por Julien Mayfair em 01/06/2006
Código do texto: T167578