A estrada.

Partimos bem devagar e a cana, imediatamente, invadiu todas as minhas memórias. Enterrou, com maquinário moderno e muita pressa, todos os meus lugares da infância, depois, sorriu satisfeita com os índices de produtividade da nova variedade. O sítio em que nasci só existe porque ainda insisto em pensamentos e devaneios. Quanta morte em cada uma das curvas empoeiradas.

Olhava e ficava cada vez mais frustrado.

Capelinhas abandonadas enfeitavam o nosso cortejo.

Ora, ela afugentou todos os meus amigos, meus amores, as comadres e os compadres. Tornou-se, enfim, senhora absoluta de cada pedaço do solo. Cisco no meu olho direito e quase engasgo com o pedaço de pão.

Mais duas horas de solavancos e disputas com caminhões carregados e vazios. Ao longe, como uma miragem, avisto a vendinha ancestral. Continua a mesma daquele dia frio de Julho, quando tomei a primeira dose de uma aguardente de nome sugestivo e sabor abrasivo.

Apeamos, desconfiados e exaustos. Recebemos um cumprimento seco da mesma fisionomia que observou impassível, durante três décadas, o fim daquela comunidade. A venda funcionava pouco. Movimento, apenas dos caminhões. A poeira diuturnamente apagando cada uma de nossas antigas marcas. O marido apareceu e não acreditou na nossa presença, resmungou e continuou tratando de um frangote que ciscava enquanto aguardava o seu julgamento.

Perdidos e sufocados dois ipês resistiam bravamente como símbolo da nossa perenidade. Frágeis flores amarelas tragadas pelo redemoinho de pessoas que passam e nada trazem. Ninguém mais fica e nenhum lugar mais é fixo. O brejo já não é brejo, agora é cana, a casa, já não está mais lá, tudo canavial, as outras vendas, simplesmente, sumiram, a lagoa secou e o campo de futebol foi tragado por falta de espaço para a plantação.

Somente as duas árvores e a cisterna continuam. A cisterna, bem no meio da varanda, com um pote de barro para matar toda a saudade.

Os filhos também se foram, todos empregados no corte e no transporte. Só o mais novo, surdo, mudo e cego continuava por aí, sem saber como nem quando partir. Os causos agora são monotemáticos. Contamos as tristezas, as nostalgias, pensamos na morte, nos outros que adoeceram, em parentes sempre distantes e nos projetos que jamais se realizaram.

Na parede, ao lado da prateleira com velhas garrafas pela metade, repousa ainda o ralador de milho. Em completo desuso espera que o fogo também se apague. Mas, a brasa insiste, espera a hora de ganhar força e consumir todo o canavial.

Voltamos bem depressa do nosso bucólico passeio, levantando nuvens, soltando grunhidos, tudo já visto, tudo bem entendido, sempre pelo caminho do deserto verde. Poderíamos ir pelo rio?

Chegamos, afinal, mais revigorados para continuarmos os nossos afazeres citadinos.

Matheus Marques Nunes

Marques Nunes
Enviado por Marques Nunes em 02/07/2009
Reeditado em 02/07/2009
Código do texto: T1679308
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