UM NOVO DIA

Sinto correr dentro do corpo a certeza de estar vivendo, percebo isso no silêncio que me cerca, não há melhor maneira de ver e ouvir, o silêncio escuta pacientemente tudo o que temos a dizer.

Muita coisa ainda desconheço, talvez esse seja um bom motivo para aventurar-me, para atravessar a nado esse lago gelado que me desafia, precipitar-me no abismo pode ser o fim ou, o começo dessa minha caminhada, a bem da verdade, nunca sabemos ao certo o que fazer, nem o momento exato da travessia, os que já foram chamam a isso de intuição, outros, voz interior.

Seja lá qual for o batismo, sinto chegar a minha vez, nada ouço e, por me sentir sozinho, frio e abandonado, desespero-me, agora só, espero um aviso de que a vida criava até para os sem muita importância como eu, alguma espécie de parceria ou de alerta. Mas, hoje é um daqueles dias que me encontro bem distante das palavras, dias sem cumplicidade, de vazante, perto das profundezas das águas límpidas da fonte que nunca bebemos.

De liberdade era o que precisava naquele instante, sorvê-la em pequenos goles, quente - gelado da alma que evaporava.

Meus olhos abertos captavam movimentos, não podia conter meu corpo por mais tempo, uma vontade suicida de voar, ver a vida lá de cima, do alto, como um balão colorido, que se deixa levar pelo vento, bordando nas nuvens todos os destinos. Escolher uma direção seria um doloso atentado contra o acaso, interromper aquela sensação eterna que durasse para sempre.

Mas nem o infinito era para sempre. Como esses momentos nos ensinam a ver como deve ser, nem alegres nem tristes, mas verdadeiros.

Desprendo-me das coisas em um mergulho cego, esse voo livre com asas de destino, eu chamo vida Invado as minhas praias longínquas e solitárias, para descobrir quem sobreviverá, o sonho ou a realidade Tudo me consome muito, busco refúgio em uma “ansiosa paz”, se é possível. Meus fantasmas, em uma trégua sem acordo, descansam cansados. Transformo a minha relação com o mundo, porque o que vejo é sem criatividade e sem vida. Desejamos o que nos motiva, buscar um sentido para as coisas deve ser o mínimo que se faz de bom para si e para os outros e que não deve ser visto como esforço penoso.

Olho para trás e pergunto, o que realmente construí, aproveitei as oportunidades? Imagino-as acontecendo independente da minha vontade, entretanto, tenho a sensação triste de que elas foram se amontoando, vindo, vindo... Não tive paciência de acolhê-las e sem querer, me deixei envolver como em uma onda, agora molhado e com frio, sem nenhuma vontade de nadar.

Aventurar-me era ter consciência de que eram poucas as escolhas, o que já estava decidido era o que desconhecia. Minha alma atravessava os acontecimentos, inutilmente busquei forças em uma vida morna, adocicada, onde poucos tiveram a vantagem de um caminho límpido, sem erros e sem tropeços, bom mesmo era aproveitar o cansaço para admirar a paisagem em seu colorido detalhe, imaginando o que viria depois de cada curva.

As luzes começavam a piscar em cada casa, era o sinal de que as pessoas voltavam. Do parapeito da janela, quieto no escuro, imaginando o que cada uma delas fazia na vida “real”, na intimidade todos somos loucos, e por que estamos sós temos todos os limites nas possibilidades, ainda assim, temos a sensação de que estamos sendo observados.

A vida nos aproxima dos abismos, como um espelho, contempla vitoriosa a nossa face cansada, quieta, escondida, espreita sorrateira, tão próxima não damos conta, ainda que acendamos todos os refletores, pois acostumados que estamos com a escuridão, continuaremos ofuscados esbarrando em coisas.

Acordo com o sol invadindo meu quarto e clareando todas as coisas, ventilava a minha cabeça a fria brisa matutina misto de carinho e urgência, antecipava um novo dia, de certa forma sim, seria um novo dia.

Um rosto, agora iluminado pelo sol, contempla-me da outra janela, acredito nas possibilidades, compreendo que parte da minha vida eu passei observando e desejando, agora me dava conta de que também era observado e desejado, com certeza, era um novo dia.