Entre os pássaros e o azul

E eu também não tenho nome, e este é o meu nome.

- Clarice Lispector -

Sem nenhuma arma na mão, assim começo a escrever.

Talvez apenas em promessa. Preciso de uma mentira convincente.

Agora estou arriscando tudo, mas não tenho nada.

Pois então ficarei um instante em silêncio engordando o pensamento.

Não existe a coisa neutra e eu mesma, antecipada de mim, estou tentando pensar a palavra. Mas existe a palavra muda? A palavra muda não é o pensamento, não é o silêncio, pode que seja o vazio.

É que isso é irremediável, têm nomes que não sei o nome.

Sendo assim, organizo as ideias, e digo que a palavra muda é o desconhecido, já que tudo que penso tem nome. E entre uma coisa e outra existem infinitas coisas desconhecidas, infinitas coisas sem nome, portanto impensáveis?

Ah sim! sim, tudo se promiscui: o conhecido no desconhecido, o nada no tudo, o vazio no pleno, a palavra na palavra muda.

Assim tento escrever, lentamente, sem força, com um gramofone rouco repetindo o sentido daquilo que sinto.

Sou uma mulher de linguagem: preciso de nomes para os nomes que não sei.

O caso é que entre uma coisa e outra há infinitas outras coisas que não sei o nome. O que não sei o nome eu chamo de nada. E o nada não é só o que não sei o nome, é também o que não foi nomeado, portanto não existe?

Percebo isso como marteladas na minha cabeça, ou ainda,

como a impotente liberdade de compreender os pássaros, infinitos,

no azul do céu.

É que entre os pássaros e o azul do céu há infinitas outras coisas que eu não sei o nome. Então esforço para escrever: para nomear os intervalos entre os pássaros e o azul. Para inventar o mundo, e entregando-me a ele, ao desconhecido, vou sendo o que não sou. Vou narrando a vida, que me narra, que me ultrapassa.

E chego novamente ao nada, e desde o nada: escrevo:

invento nomes para os meus vazios

Carla Carbatti
Enviado por Carla Carbatti em 07/07/2009
Reeditado em 30/11/2013
Código do texto: T1686581
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