Quarto e Último Ato

Adeus, musa!

Deixo-te franzindo o cetim salmão...

À beira da cama, nenhum som te escapa.

Meus passos, acompanha o olhar com frieza de gala.

Somente o ar te foge pelas narinas com penar;

Elas derretem-se ao pranto recluso,

Mas não te foge a pujança, a altivez... que têmpera!

Ai, meu Deus, linda musa,

Se considero, não parto;

Em cismando, aqui mesmo eu caio

E em romaria, penitente torno ao leito.

Espalho-me desfeito e desta selada alcova não saio.

Mas hei de sair, é findo nosso enlace.

Ai, Céus, triste musa,

Que cenário, que plangente olhar encoberto.

Inda te vejo a alma, teu universo íntimo de mulher.

Como ninguém, te vi; como ninguém verá...

Se muito te olho, pouco caminho e aqui mesmo definho.

Deixemos de olhares que o tempo se vai e tempo mais não há.

Agrura maldita, musa!

Restar-me-ão apenas fragmentos de nossa história:

Fotografias, canções, alguma poesia, cores marcantes, certos sabores;

Perfumes, bichos, presentes encaixotados, nossos filmes e amigos afins;

Restar-me-á tudo isso, batido várias vezes ao dia... não sei por quantos dias.

Deixemos de contas, não levo jeito para isso.

Musa, não te iludas! Achas mesmo que não me vou?

Pois vou sim, mas, uma vez mais, te busco sobre os ombros.

Vejo-te recôndita, acabrunhada agora.

Sentes minha decisão, minha partida resoluta?

Vejo-te cingir a perna, que sustenta o queixo premido... Que queixo... Que perna.

Por que elogios? Inda me vou!

Estou certo de que vou; resolvido mesmo, ensolarada musa.

Basta-me o último olhar, deixar-te, que não mais retorno.

Ver-te, por fim, desnuda; os seios pequenos, a boca de bebê, os pezinhos risonhos...

Ver-te; os cabelos molhados, o nariz empinado, os cílios frondosos de gueixa... Que cílios!

Ora se recolhem tristonhos, ora me penteiam como seda a fronte sisuda.

Deixemos disso; galanteios e volteios não somam.

Deixa-te plácida, copiosa musa. Olha; cá inda estou,

Atrás da porta, última estância que nos aparta.

Abri-la um recomeço, as diferenças, para sempre, se perdem.

Busco-te, maçaneta. Ao girar-te, mudo o curso; mas não...

Torno à saída; que se mostra para a rua; mostra-se para nós...

Findo o corredor, finda-se este tormento intermitente.

Musa encantada, criatura única e verdadeira, personagem de ficção romântica,

Tu, que me arrancaste do peito infinitos louvores, inspiradas exaltações,

Migrantes dos mais belos momentos vividos em minhas fecundas divagações,

Aquieta-te agora e põe atenção em que te vou dizer:

Faz-se o tempo de perceberes que pouco há a te esconder,

Pois que se mostra fato a horda de aspirantes a teus amantes, que te cega os sentidos...

Deixo-te agora de vez, saudosa musa!

Deixo-te com estes últimos madrigais ofertados, espremidos entre lágrimas e tragos.

Em teu baú de reminiscências, certamente, restarão guardados;

Mais pelo deleite do que sombra qualquer de verdade...

Deixo-te porque o frenesi escapulido da paixão desmedida,

É tão seguro quanto a fortaleza nas areias construída.

Éder de Araújo
Enviado por Éder de Araújo em 04/06/2006
Reeditado em 08/07/2008
Código do texto: T169505
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