Antonio caiu da caçamba ou um cão universitário em estado de choque.

I

O que é a nossa vida? Estamos contentes, vento no rosto, língua de fora, latindo para a paisagem e, de repente, caímos do caminhão. Tudo parece acabar. Nossas patas raladas, nossos ossos doendo e o sangue escorrendo como um arroio.

Assustado, tremendo, não saio do lugar.

Afinal, estou vivo? Como voltar para casa? Existirá um lar? Não ouso latir, envergonhado de uma situação que não criei, e as pessoas já me observam como se fosse um cão sem dono.

Os donos do poder puxam e soltam as nossas coleiras displicentes, sorridentes e sem remorso. O desemprego canino aumenta com o desespero humano.

Nenhum afago, somente a dura rotina de cão de guarda de carrinhos de sucata e a pancada seca dos seus sócios moribundos.

Se ao menos aparecesse num destes documentários da BBC. Se ao menos tivesse um focinho mais bonitinho. Se ao menos não tivesse tanta sarna.

II

Eis, que já na última hora, reaparece meu dono para me resgatar do opróbrio.

Eu sabia, no entanto, que tudo é efêmero, pois ainda sentia a sensação de morte na boca dolorida pelo dente quebrado. Tudo vaidade dos insetos empoeirados pela sua incomensurável soberba. Por que não pular da caçamba, novamente, e aceitar os fatos? O gosto da sarjeta seria melhor do que o balanço do caminhão?

Aceitamos tudo. Cães e cadelas olhando desolados ao perceber a sua triste realidade domesticada.

Envenenados todos os dias suportamos diferentes doses de vários venenos. Felizes e fortes como os cachorros que caem do caminhão.

III

Perdemos a mudança e resistimos. Acuados, suportamos o gosto da derrota, no canto do abandono, suportamos também os olhares que apedrejam e fitamo-nos com um olhar vazio.

Tantas expressões para o mesmo desespero. Uivamos todos em direção ao nada. Escuridão que nos confunde enquanto corremos atrás de motos e caminhões imaginários. Deleites aprovados e vendidos para muitos.

Não seremos nem atropelados, somente observados por solitárias pessoas interessadas na desgraça alheia. A diversão de roer o próprio osso já não é suficiente para nossos cansados olhares.

IV

Pergunto-me, sem encontrar respostas, farejo tantos infortúnios e não chegarei a nenhuma conclusão. Por que o infeliz voltou para me resgatar? Patético.

Agora ele me colocou no seu colo. Continuarei desconfiado do seu acalento.

Tremo de medo de cair e de apanhar. As patas continuam doendo muito. O riso continua ecoando. Pior mesmo é sentir-me humilhado pelos olhares que viram a minha queda. Remoendo para sempre a dor de ser esquecido.

Matheus Marques Nunes.

Marques Nunes
Enviado por Marques Nunes em 23/07/2009
Reeditado em 23/07/2009
Código do texto: T1715658
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