sutileza

Um dia, sem querer, entre café e outro, lembrei seu nome. Entre um cigarro e outro até senti um brevíssimo aperto no peito. No meio de uma reunião importante, o homem usava uma gravata da cor da letra da capa de um disco dos Mutantes, aquele seu que eu nem gostava muito. Então, nem dei muita atenção. Depois saí para almoçar, fazia um sol doido, como naquele fim de semana em Penedo no meio do inverno. E sorri, meio sorriso, quase com saudades. Tanto sol no inverno... Na volta, caminhando pela rua, notei que havia uma escola e dentro dela também pipocavam pequenas promessas. Lembrei de quando éramos nós. E no meio de um entardecer mudo, cheguei a pensar que um daqueles meninos podia ser o nosso. Mas o gancho da rotina me atirou de novo numa sala com cadeiras. Tantos papéis e coisas e árvores sucumbindo ao vento que tentei não alimentar magras lembranças de alguém que. Bobagem! Resoluto, não quis mais pensar em nada que lembrasse você. E decidi seguir pelo meio da estrada. No caminho um risco que se precipita no céu, planetas que se fingem de estrelas, garoas e reflexos em poças d’água apresentam a noite. A vida segue seu rumo torturante e tortuoso, encapada em saudade árida que resseca a terra macia e revela uma paisagem granulada, cheia de vento e fuligem que enegrece a pele. Sem querer mais dar jeito na dúvida, cato cada caco de primavera que se revela na centelha dos olhos, fragmentos de uma estação sempre mais cheia. Com eles, monto e emolduro para mim um mosaico, vitral através do qual assisto o amanhecer de um dia que começa a brotar sanguíneo e sublime das entranhas do mar.

Jan Morais
Enviado por Jan Morais em 12/06/2006
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