Os morangos do lado de fora.

Tarde da noite. Exatamente duas horas e vinte e um minutos da manhã. Duas fatias de pão de forma, duas de queijo e uma de presunto. É o que tem pra hoje. E dez morangos.

E nessa boba hora da madrugada, engulo seco um suor agarrado na boca, e os morangos, um a um, adocicam este insone apaixonado. Um idiota.

Dez morangos e penso em você. Não, não é quem você pensa, não é você. É aquela pessoa que está em mim até quando durmo. Aquela pessoa que está em mim até com você. Quem é ela? Ora, mas quem é você?

Alguns minutos passam, e a imagem da pessoa fica grudada na minha mente, assim como quem não quer ser esquecida. Nove morangos. Não telefono. É tarde para telefonar para alguém que não dorme.

Oito, você com certeza está acordada. Não, não você, que dorme ao meu lado para sempre, e sim você, que dorme com ele e pensa em mim. Oito morangos e uma cabeça confusa.

A fome aumenta. Não a de morangos, mas a de você. Será que pensa em mim? Sete morangos e por que você não veio, não ligou, não apareceu? Não, não você que está sempre me amando, e sim você, que ama outro e a mim, ao mesmo tempo. Sete morangos e seu corpo nu em minha mente.

Seis morangos. Há coisas que são eternas. Não as suas, que se agarram na eternidade efêmera do meu pra sempre, mas as suas, que escondo atrás do armário, num relicário de fotos e desejos de você. Como os menores morangos primeiro, mordo e mastigo partes vermelhas do seu pensamento. E penso que deixaria tudo pra você. Por você.

Já passam das duas e meia. O tempo é curto, como o pouco que luto pra passar com você. O quinto morango ainda é pequeno, como a marca da mordida da sua boca em meu lábio inferior, em minha alma, na minha retina. Não, não é da sua retina que careço, que só existe para me ver fugir de um amor eterno e tédio. É da retina que não vejo, que desejo, do cabelo emaranhado nas minhas mãos, do cheiro do não me deixe nesse momento. Dos olhares cúmplices numa tarde. Do pecado nos olhos.

Há quatro morangos. Provo do quarto, e sinto o cheiro e o gosto do seu corpo fugitivo em minha cama. Não, não você, claro que não, você que faz parte da minha existência inútil e contribui para que continue inútil; mas você, que de vez em quando veio aqui, morrendo meu corpo com seus dentes sedentos de mim. Este morango é grande.

Terceiro. Enorme. Assim como a quantidade de ignorância que te alimenta ficando com ele. Largue tudo, você. Não, não você, que já não tem mais nada além de mim para se esconder da verdade que não te amo. Sim, você, que tem tudo de mais arriscado para largar por alguém como eu. Verdade.

Dois morangos grandes, perfeitos como as maçãs do seu rosto. Não do seu, que perde tempo se embelezando para alguém que não te olha, e sim do seu, que sem um pingo de cores, ilumina o arco-íris da minha vida e olhos monocromáticos.

E o último morango, o maior, o último sabor da sua boca nesta madrugada vazia. Exatamente duas horas e cinqüenta minutos da manhã. E onde estará você agora?

Não, não você que está comigo ao meu lado, mas você, que mora do lado de fora.

Gustavo Alvaro
Enviado por Gustavo Alvaro em 19/08/2009
Código do texto: T1761864
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