PEDAÇOS DE MIM

Recolho meus pedaços casa afora

Junto cada caco que encontro,

lendo seus espaços, sua quebradura, sua história.

Uns pequenos, outros maiores,

Porém alguns além de quebrados, despedaçados,

partido em miúdos, espalhados.

Mais fácil seria varrê-los, deixá-los,

pois juntar, colar pedaços, dói mais

que quando fora então quebrados

Passo pela casa, vou recolhendo, ajuntando,

Num momento o sabor da cozinha, o prazer,

O experimento, a medida quase certa

O trigo, a vida, o fermento.

Noutro, o espelho companheiro, o amigo mudo,

Que te olha, admira seu choro, seu lamento,

Não te questiona, não te dá conselho,

O divã inseparável, a solidão escolhida,

Escondida atrás da porta do banheiro.

No corredor reuno lembranças

Penduradas na parede, retratos, sorrisos,

Quadros pintados de alegrias, de planos,

Deitada, esticada numa rede de sossego,

Na estante pequenos pedaços espalhados,

Inteiros de uma farta felicidade

Onde cabiam meus sonhos e meus desejos

Não sabes tu que o desejo se transforma,

Ora no beijo de boa noite naquele quarto enfeitado,

Figuras, desenhos, bonecas, bichinhos,

E o olhar corre cada canto, cada lado,

Quantos pedaços não ficaram

Quantas noites colando cacos

Guardando brinquedos

Vistoriando sua coragem, seu medo.

Chego então no sofá, na sala,

Estiradas estão ali todas as minhas palavras

Assistindo na tela de minha lembranças

Cenas de um filme onde ora sou coadjuvante,

Ora, estrela principal, a mesma porta,

A mesa posta, largos sorrisos

O prazer sucinto, discreto,

De ver alimentada sua continuidade

Sua esperança, sua essência, sua vaidade

Sua estrela mais bonita

Paixões, amores, saudades.

Passo a porta do meu quarto, a cama desarrumada

O armário aberto, o desalinho de meus sentimentos

O começo finalmente e o olhar furtivo

pelo túnel do passado.

angela soeiro
Enviado por angela soeiro em 17/06/2006
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