Noite


Gosto da noite que vem calma, amena e me abraça com sua sombra. Convida-me a pensar e estar sozinha no canto mais íntimo de minha alma. É bom sabê-la presente, é doce aguardar sua chegada.

E quando ela vem, sinto um vazio, algo a ser preenchido. Procuro o objeto de minha busca e ela não é nada além da manhã. As coisas valem pela expectativas que colocam na vida. E esta é uma eterna espera. O momento presente é validado pelo outro que lhe sobrepõe.

Por isto gosto da noite. Entro em meu quarto, deito e começo a devanear. Idealizo um mundo completamente à parte, que assume coloridos de acordo com minha imaginação. Sonho louco, sonho solto a me dominar os sentidos, a premiar minhas horas de descanso.

Gosto da noite que me acolhe. Sou recebida com um guerreiro que volta de uma batalha. Não importa se vem de um sucesso ou fracasso. Importa apenas que está de volta. E o quarto tão conhecido se torna seu principal abrigo. Este é o guerreiro de todos os dias. A rotina que se intervala, numa breve pausa, necessária e almejada. Deito-me languidamente, o corpo a se espreguiçar, a alma a se acalmar. Vem uma paz que não se sabe de onde. Apenas se instala e me traz a o prazer de mais um dia. Tarefa cumprida, obstáculos superados, breves alegrias, sonhos mais uma vez acalentados.

Gosto da noite que prenuncia o dia, a saudade que não tem uma causa, a vontade de continuar. É momento único, espécie de trégua, voltar-me à intimidade de minha alma. Choro por tantas coisas que não consegui, choro a emoção de poder sonhar, direito eterno daqueles que amam a vida.

Gosto da noite, fecho a cortina, descanso. Um dia já começou. O sol lá fora, colore as ruas e traz a esperança de uma nova jornada. E eu, quieta, ainda tomando a coragem de recomeçar. Abro a janela, vejo a vida que se descortina, com nova energia, e eu, repleta da luz do renascer. Por isto estou ali, por isto abro meu quarto, por isto gosto da noite.