Verdades e veleidades III****

III - Nos canteiros da madrugada.

Sob uma lua desvairada, que acalenta minha sombra na penumbra dos primeiros cantos de uma nova manhã, vou à procura dos canteiros de amor. Quero rever as últimas formas mal traçadas dos efêmeros amantes, entrelaçados pelo ópio do luar na madrugada. Acoites entre coitos de gozos descartáveis, virgindades corrompidas pelas taras indomáveis.

Na incerteza do instante (in)esperado, que parece não querer chegar, incendeio-me na aurora acinzentada, revivendo falsas paixões; efemeridade de almas, resquícios de amores perdidos no tempo nessa abrupta fuga da razão. Minha retina vai cabisbaixa, buscando respostas que não tardam vir... Pois nem todas as perguntas foram forjadas no fogo da paixão!

E um dia, brotará a flor que se doará por todas as flores, mudando a concisão dos formatos imperfeitos de amantes embriagados, perdidos em seus beijos evasivos de amor; meros momentos da sofreguidão dos corpos.

Na nudez de suas tristezas, as flores não choram seus momentâneos murchos instantes de penumbra. Sabem que são reflexos de pardas desilusões na noite, como espelho das angústias de homens. Pétalas em pedaços sorrindo sobre últimos soluços da madrugada; pois bem sabem, todas as flores, em toda manhã, desabrocham e buscam por um novo amor. Outro reencontro em novos canteiros: renovação de fardos e dores.

Testemunha de meus anseios, um girassol, resguardado na solidão da noite, cessa sua girândola sobre o meu instante de alma magoada. Flor diurna tentando valer-se na noite com seu oiro de esperança; inutilmente desprezada com suas verdades do dia. Apenas esperança resguardada no braseiro da tarde, ofuscada pelos anseios de novos e eternos amantes.

Uma estrela se esconde sob o primeiro rastro de fogo, testemunha da noite de abraços, de novas e sutis paixões. Almas teimosas cantam ao primeiro vestígio de luz; novamente se desgastam, alegres se doam, entregam-se às volúpias dos encontros fartos do dia; quando a lua novamente chegar, renovarão suas ilusões em cada canto da noite...

Sob o sol, os canteiros de flores sorriem; misturam seus perfumes ao odor dos derradeiros encontros. Guardam em cada pétala resquícios de amor e dor; são testemunhas de encontros casuais e mágoas que não discernem verdades e veleidades. Já vai ficando tarde o céu braseiro de minha verdadeira paixão.

Sigo cabisbaixo, regando flores com minhas lágrimas de dor. E entre as folhas, a lua se guarda para seu primeiro encontro de amor; renovando suas sapatilhas de sonho. Pois bem sabe ela que os cristais de sonho se quebram em cada manhã.

Será que o amor que hoje não veio baterá amanhã à minha porta?! Não! Será apenas o descaso da aurora desenfreada desnudando-se de suas paixões e veleidade. Teimosa, procurará aninhar seus resquícios de paixão entre meus beijos e abraços passageiros.

Minhas manhãs ainda continuarão vazias; espero pelo dia em que virás em meio as angústia das flores, clamando por um recanto de paz. Espero-a na ânsia do reencontro e seus pingentes de desespero; o instante do oiro da alma em meio ao verde e a inutilidade das placas de aviso. Aviso de falsos amores, ressurreição de antigas dores... Virás como a pequena chama, reativando braseiros nas manhãs carregadas de desilusões.

Amores noturnos, soturnos... seguindo-me em cada novo raio de luz!

Kal Angelus
Enviado por Kal Angelus em 27/06/2006
Reeditado em 20/10/2012
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