Itinerário V

Uma cidade como outra, desperto-me na partitura dos sons quando chego sem saber qual a importância do destino. Onde estou talvez um outro de mim não tenha sentido o mesmo numa hora em que as veias correm pelos pulsos. Vi aquela orla nublada do sonho

ao cair da noite,

numa distância à varanda do mar. Lhe disse que mais a sul a luz ficava exacta para olhar as sombras venosas caídas em arcos de qualquer voz anónima. Aqueles que vão até ao fundo da névoa comprar o vácuo. Eu vou por uma avenida invisível com o teu nome, nenhum apontamento me interessa por que esquecer ao cair da noite

me reflecte nos vidros da memória uma manhã possível. Mas agora é o momento de não saber deste lugar, apenas um passo mais lento paralelo aos muros, o cone esguio das árvores de ninguém que desliza pelo silêncio verídico da marginal. Uma noite assim. Os reflexos verdes do mar que existem no amplexo do corpo,

como os ombros por tocar ao descer lentamente as alças. Lembra-me de um outro dia próximo onde estamos num hotel com néones cintilantes à espera de uma bebida no bar, os dedos móveis nas hélices do desejo, o rosto em diagonal para beijar os lábios. E nenhuma palavra nesse instante, nenhum sentido em qualquer frase, a boca

poisada na boca absoluta do nosso silêncio. A noite assim. Correndo entre a paisagem estreme das veias. Sentir que o corpo se une numa vertigem.