Tristeza e Qualquer Coisa Como amor...

E eu fico horas assim, pensando, com este gosto de gordura na boca, algo ransoso e abafado, sistematicamente enjoativo, como uma tristeza que se encontra à venda na esquina, rodando a bolsa e se prostituindo, entre os corpos e corações que a procuram em lojas, e tentam em lojas a aplacar. Obcessivamente...

Enquanto fotografo com minhas câmeras âmbar suas faces e poses, seus risos doloridos que engasgam as narinas e me forçam a ficar sem respirar. Enquanto isso, ela dança, bela e neutra, se vendendo aos meus apegos e carinhos desesperados, me marcando com seu gosto amargo de batom de diamante, de pupíla dilatada, de carbono petrificado... As pessoas a compram em botiques e barganham com ela o troco do ônibus, a oferecem bolos e doces, e se embriagam em cerveja quente... Eu, apenas assisto, doce, melancólica, fazendo parte dela e consentindo em suas ações; Beijando sua mão, fazendo-lhe carinhos, e negociando algo que com ela não consigo obter. E então, me viro.

Ao meu lado, na cama, uma espada entre nós. Arrisco tocar sua mão, enlaçar seus dedos aos meus, porém, a lâmina brilha, e o medo de ser cortada me apavora. Olho o teu sorriso, e você devolve-me dizendo "amor". Respiro forte e viro meu rosto. Do outro lado, de joelhos, ela se encontra frente ao meu leito. Acaricio-lhe os cabelos e com um fôlego me solto. Roço minha perna sobre o fio cortante da espada, me estendo sobre ti, e então, na ponta de uma faca, à beira de uma queda fatal, nos amamos.

E ela se vira, se levanta, abaixa, me bate nas costas, e vai embora maldizendo-me por entre os dentes sem muito pudor. Enquanto isso, a ignoro, e no estalo inaudível de lábios me enlaço a ti, me acoleiro, me faço cativa e cativada por uma presença afastada pela castidade da honra, e sobre ela profanada; a consagramos com algo que de tão primitivo e ancestral se faz nobre e a dissolve. Os lençóis viram tela, e teu corpo pintura, tinta frágil que impreguina e escorre (pelo) meu corpo, dissolvendo com teu cheiro inodoro o meu suor... Uma palavra ecoa em teu ouvido, e emaranhados nos empunhamos...

As coisas não se definem na simplicidade humana, mas no instante que transpomos o intransponível da impossibílidade de tradução.

R Duccini
Enviado por R Duccini em 03/11/2009
Reeditado em 21/12/2009
Código do texto: T1903421