O QUINTAL

Fecho os olhos e revivo o que foi e nunca mais. O roseiral, sabiás, cheiro de grama cortada, frutas no pé, aromas e um humilde arremedo de varanda com sabor primavera.

Chamo-o: - veja sabiá-laranjeira... a primeira rosa se abriu...sente-se nesta cadeira, ...leia o jornal...passarinho voou...bem-te-vi chegou...sanhaço bicando a maçã....que pássaro é este que canta?... caquizeiro... palmeira tão alta!... tantas borboletas!

Enquanto sol ameno, céu sereno o espiam, trago-lhe bandeja, bule de café, xícara de porcelana, água fresca para beber e me encontro a admirá-lo: você, jornal, cadeira, o quintal que construí pacientemente para aprazer-me com sua tranqüilidade. Fecho lentamente os olhos e fotografo o instante guardando-o no sem fim, intuindo que o que é pode, de pronto, não mais ser.

Sonhando-o, descubro-me em pesadelo coberto por rasteira névoa. O espetáculo de minha felicidade foi se afastando, esvanecendo-se e, de tão dissipado o panorama, tornou-se paisagem longínqua contida em pequena moldura feita de triste pedra cinza.

O verde já não está, fumaça densa, nuvem sombria. Na varanda: poeira, teias, jornais solitários amarelecidos que se espalham atordoados pela chão, castigados por vento gélido, como que tentando fugir do soturno itinerário da recordação.

E o procuro...café frio, água tofana, porcelana estilhaçada.

E o encontro...estátua branca de sal, imóvel, endurecida e muda, distante miragem a ocupar o jardim da ausência.

Só sentimos completamente o que em dor se transforma.

vitória Paterna
Enviado por vitória Paterna em 15/07/2006
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