A espinha na cara da menina

Os cabelos longos, negros, graviúnicos, balançando no gingado que começa no pé termina com meneios de cabeça que não dizem sim ou não, servem só para intrigar os incautos observadores que na tarde de novembro se deixam encantar pela visão. Será sereia, gueixa, ninfa, fada, bruxa, demônio ou anjo? Sei apenas que ao ver passar na calçada da portaria aquela visão do paraíso fico todo arrepiado. Fecho, abro, fecho e abro de vez os olhos para não perder um só segundo.

São cinco da tarde, brisa morna que vem do mar, cheiro de vida, de maresia, som de canto, de encanto, de sabor indecifrável. Ela vem. fico assem tão estasiado que não sei dizer a cor do sapato ou o tipo de roupa que ela veste, vejo apenas os cadernos presos no peito como um abraço, ai, por este abraço eu daria um dedo, ou melhor a mão inteira e logo a direita. Se eu pudesse ser aqueles cadernos, transformaria minha matéria celulósica em gelatina e atravessaria o tecido, escorregando pelas curvas dos seios que ante as carícias se abririam em flor e então... Suspiro e estico o pescoço para pegar os últimos balanços que se vão. Volto a sonhar.

Rotina de segunda a sexta, ver, desejar, sonhar, imaginar. Uma fuga da rotina estabelecida pela sobrevivência. Nascer, crescer, trabalhar a vida inteira e depois morrer - a parte do gozar reduzida a cachaça, mulher e futebol. Mas pra quem não bebe e de futebol quer distância, resta a ilusão: lá vem ela, tomo coragem, deixo o walk talk no balcão e piso os degraus com o coração palpitando, as mão trêmulas seguram o trinco do portão, parece uma pedra de gelo, abro e espio, lá vem ela, com um óculos de sol da novela e uma enorme espinha no queixo que me traz à realidade: minha deusa é na verdade uma sardentinha adolescente.

CrisLima
Enviado por CrisLima em 25/11/2009
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