A rua crua

1 - João o tinha

João da Silva se ia às pressas rumo à sua casa, que a hora já lhe dera nos limites há mais de hora. À espera do pão, e de João, esposa e filhos repousavam em frente à tevê. Às pressas, João pegou seu carro e foi-se para o lar incomodado a cada esquina por fregueses perguntando se ele tinha o disco novo do "Saia de Fogo".

João o tinha.

Então perguntavam de quanto era o disco, e o pai dos meninos se atrasava mais uns minutinhos - e eram muitos os minutinhos a cada rua que passava... A novela já terminando na tevê de casa fazia a mulher de João ir-se afobando. Até que numa esquina qualquer acabaram-se os discos de "Saia de Fogo", e João pode - "pôde" de sujo - seguir direto pra casa, onde sua mulher perguntaria, como todos os dias, entre os olhares apreensivos de seus filhos, se João vendera ou não o estoque completo da erva que plantavam no quintal dos fundos de sua casa.

João o tinha.

2 - Joca na lona

Na carroça de Joca o tempo não passa.

Escondido da vida, Joca bebe cachaça.

Parado ao largo, seu carro de lixo repousa

- Recicla os minutos que perder, Joca não ousa.

Para Joca, fortuna foi parar na bala

Solene (que acompanhou o gole) em sua cara.

E o mundo de Joca escorreu com o sangue e a cachaça

- Para alívio da dor que quase nunca passa.

3 - Na casa de Amargô

Amargô morava com as irmãs Agrura, Feiura, Mistura e Belezura. Suas filhas Pintura e Caricatura eram prostitutas do antigo galinheiro da rua da Amargura. Até que um dia, seu pai, Pindura, abriu um bar.

4 - Na rua da Amargura

Há um bar na rua da Amargura.

Canta-se loas à dor, no bar da rua.

E como são sorrisos aqueles olhos de bocas tristes!

Certa vez, um ébrio madruguêro

Disse que antes do bar,

Na rua da Amargura tinha um 'galinheiro'...

E volta e meia passava alguém que ficava - como outrora ficou Joca, na lona.

André Raboni
Enviado por André Raboni em 02/02/2010
Reeditado em 02/02/2010
Código do texto: T2064146
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