Ele
- Claude Bloc -


Eis que retorno ao ponto de partida pois que vivemos em direções opostas. Não por acomodação, mas por precisar especificamente desse retorno posterior. Mesmo pensando que a história poderia ter sido outra qualquer.
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Não sei como explicar o tanto que ele sabe de mim, ainda que o silêncio nos ronde e nos falemos tão pouco. Vemo-nos, entre distâncias e (in)quietudes. Ele é o cessar dessa ardência sufocada e o caleidoscópio dos sonhos vencidos. O fim dos engodos, das cobranças, das (in)conveniências. E se ele é o fim (?), é por ele que me (re)faço e (re)inicio minha jornada.
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E ainda assim, eu me ausento e ele me faz voltar. Ele que poderia ter-me esquecido, mas não fechou a porta, porque não dá pra explicar o que nos acontece nos dias em que as flores se adornam e se entregam e o sonho se faz farto, mesmo que doído.
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Eu poderia dizer que o vejo quando a lua crescente dança e se descortina no meu purgatório. Poderia afirmar igualmente que entendo as ambições de sua alma. As suas querências. Mas me calo a cada anoitecer, vencida pela saudade.
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Ele já poderia saber que gosto de me deitar numa rede quando o sono me procura. Ou poderia imaginar os malabarismos que faço para segurar as coisas entre os lábios cerrados quando me faltam as mãos. Pois ele sabe que possui o que é meu também e chora pelo que choro.
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Ele sabe de mim. Sabe quem eu sou, num reflexo sem distorções. Está nele minha polaridade feminina, pois ele é a terra que acolhe meus pousos e eu sou o fogo que dissipa sua solidão. Somos solitários e solidários. E certamente quando nos negamos, não é rejeição: é proteção.
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Por isso guardo os beijos que não dei. Beijos sem reservas. Olhos nos olhos, como deve ser. Sem condenação, sem disfarce. Vastos dentro de mim.
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Por isso, não dá pra explicar essa (in)constância entre nós e muito menos essa (in)conveniência de pedir sempre mais da vida por acharmos que ela nos deve tudo e, no entanto, o que temos abrevia-se em nós mesmos.
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Assim sendo, eu poderia escrever linhas e mais linhas sobre ele, todas cheias de parênteses. Trechos e mais trechos, todos sem reticências. Porque escrever sobre ele é discursar sobre mim mesma, e eu (nos) resguardo no silêncio. Por tudo isso ele está em mim: ele, meu passado.
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Texto e foto por Claude Bloc