Escorpião

Trago nas pinças o veneno que alimenta a poesia.

Desfiro a derradeira picada em agonia...

Em sono letárgico, escrevem-se as melhores versões de minha história.

Desprezo aos que me julgam desprezível...

Não os odeio ou invejo porque os tolero.

Eles, prodigiosamente, às escâncaras,

Revelam seus artifícios e estratagemas funestos.

Independem de mim para tamanha verborréia.

Estampo a verdade em minhas patas,

Tatuando rastros no deserto de almas incompletas.

Recebo dos algozes a alcunha de infestação...

Não lhes presto atenção, pois não presto.

E não me presto às cenas de ingratidão.

Minha autocrítica é sincera...

Tanta firmeza desperta a Admiração e a Cobiça

Por este ser articulado, artrópode confesso.

Talvez por isso experimentasse ser incerto....

Tão maior quanto o sentimento é a covardia

De se amar a quem se detesta.

Pecados capitais e virtudes se revezam.

Pretendo-me simples, sagaz e correto,

Embora as centopéias comigo se pareçam.

Não ministro antídoto à veia peçonhenta.

Os fracos definham por serem complexos.

Às intempéries sobrevivo, ao sol e ao relento.

Das chuvas ácidas bebo o néctar, e não me desconserto.

Sou a toxina imortal e a perene antipatia,

Mas ajo com simpatia aos sobrados e anexos.

Corro por cima dos telhados sombrios

E respiros pelas frestas da nostalgia.

Visceral e romântico por natureza,

Pago com a vida aos caprichos do leito...

Umidade na fecundação e humildade no sacrifício.

E não me importo com a tirania ou realeza

De quem me fez feliz por um momento.

Mesmo morto, imponho o medo,

E faço dos temores minha fortaleza.

Não abro mão de ser completo.

A imperfeição é a minha certeza...

Mas ostento o ferrão, que guardava irrequieto.

(Recife, 14/08/2006)

Serginho Maresias
Enviado por Serginho Maresias em 14/08/2006
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