Sentinela

Olhava as horas, ouvia seus passos, rangia nos móveis o seu espaço... as mesmas partidas, as mesmas chegadas, nenhuma saída... e cumpria seus dias, seu ritual, na monotonia... mas havia um sorriso teimoso frente ao espelho, por entre os dentes, no branco do olho, algo acendia quando a noite chegava... e caminhava pela casa esbarrando nas paredes, emudecidas, tão ásperas e frias... e desenhava no ar gestos com as mãos, numa dança sem par, projetava a ilusão na luz apagada... e a vela acesa, de um olhar de vigília, era o que iluminava...

e sobre a mesa estendia o tecido, criava um motivo, bordava um sonho...

e arrumava o armário, santuário de segredos guardados na barra da saia de um vestido preto...

Na tela da televisão uma cena de um filme qualquer refletia cores no rosto daquela mulher... e no seu pensamento insistia a legenda:

...quem sabe amanhã te vejo

te faço um carinho e te beijo

e tuas mãos soltem a presilha

que pelos cabelos retém o desejo...