Morte

abro meus olhos numa manhã de domingo um tanto quanto triste e excessivamente clara tendo a impressão de estar no palácio de Versailles. meu peito aperta de solidão, medo e desespero por saber que as minhas princesas estão todas mortas. foram todas sufocadas no branco do armário, das paredes, da lâmpada fria, no canto distante dos pássaros pela janela, no copo d'água meio vazio, na cartela de remédios amassada e consumida.

meu peito ainda arde, ainda aperta, anda convulso e esmurrando as paredes até quebrar os dedos, gritando obscenidades para uma lua também morta e derretida no céu como um orgasmo às pressas, -ó princesas! por que deixei que vocês morressem em minha alma cadavérica?

todos aqueles sonhos, aqueles romances, aqueles ideais filosóficos, moral, ética, todos eles foram deixando meu palácio entre prantos e correntes, arrastados para a guilhotina, deixando para trás brincos de ouro e colares de pérolas respingados de sangue, ecos de esperanças estupradas e rezas sem fé. um a um os fios de seda foram desfeitos, os botões arrancados e queimados, as obras de arte saqueadas, os cães de raça enforcados e os cavalos soltos em disparada pela escuridão da antiga floresta. um a um, sonhos sepultados em vala comum.

nesta enfadonha manhã de domingo acordei nas ruínas brancas do palácio de Versailles da minha mente. cinzas e restos do que um dia foi a glória do mundo. fecho os olhos novamente e deixo que, enfim, a guilhotina me caia sobre o pescoço com o peso dos urros de mil povos. acima de mim o céu triste e excessivamente claro de uma manhã de domingo.