Das cores: as cores

Hubo pues algo una vez.

Hay que creer que sí,

pero saber que no,

(Samuel Beckett)

Parecia triste o que ele dizia. Quase tão triste como atravessar a noite com uma borboleta azul entre as mãos. Agora que falo, percebo,

é noite. Anoiteceu. Anoitecia. Deve haver diferença, mas ignoro.

Insisto em dizer que parecia triste o que ele dizia. Digo parecia porque não me lembro o que ele dizia. Penso que poderia ser triste. Eu me lembro das pálpebras cerrando os olhos em um filete de lágrima.

Uma lágrima. Uma lágrima salgada como qualquer outra. Penso que era salgada, por saber que as lágrimas são salgadas, mas devo confessar que poderia ser diferente. Mas isso não tem importância.

Ele dizia que não cabia na água. Isso ele diria. Eu digo diria porque não me lembro o que ele dizia e alguma vez ele teria que dizer isso:

Eu não caibo na água.

É noite, anoiteceu ou anoitecia e ele não cabia na água são possibilidades. Se ele coubesse na água poderia mudar a disposição da luz. Mas isso são especulações. Ele poderia caber na água e ser noite ou ser dia, ou está amanhecendo ou anoitecendo.

Ou. Todas as variantes são possíveis.

O que faz ele não caber na água, imagino, deve ser uma casualidade.

Se ele disse isso. Eu não me lembro o que ele dizia. Assim como eu falo, com minha voz carente de palavras, ele não cabe na água. São vazios que ocupamos. Prefiro dizer que é como ocupamos os vazios. Quase tão triste como atravessar a noite com uma borboleta azul entre as mãos,

parecia ser o que ele dizia, ou

Carla Carbatti
Enviado por Carla Carbatti em 21/05/2010
Reeditado em 03/08/2014
Código do texto: T2270185
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