A VENDA DO RUFINO

              (MEMORIAIS DE SOFIA(Zocha)
                   
                         releitura



... como esquecer o armazém de secos e molhados daquele português na Vila Lindóia depois de lá... além do  trilho do trem...Abençoado homem que vendia  fiado  e confiava nas tranças de minha mãe! Será isto uma prosa, um verso, uma redação, uma pedra no lago, um fogo eternamente aceso?

... ainda lembro da misturança de cheiros daquela venda entupida de coisas.Como esquecer aquela misturança de tantas coisas  apetitosas que faziam meus olhos esbugalhar se até hoje tenho vontade de comer  daquelas balas de gomas,  daqueles queijos, daquelas lingüiças, tomar daquele capilé...

...havia muitos queijos  espalhados pelo balcão,fatiados, dependurados, amarrados,  fatiados e nas latonas  as salgadonas sardelas abraçadas nas cebolas... como não lembrar daqueles  grandes queijos lunares,  solares, redondos,apetitosos, amarelados, curtidos,langorosos, amarrados...daqueles  salsichões baratos dependurados, também,pertinho dos salames cheirosos,ajeitados às pesadas mantas de toucinhos defumadas...muito cheiro misturado de comida e armarinhos,pinduricalhos,pipocas macias,  copos que se fechavam e se abriam,aquele balcão era tão alto....mas eu esticava os pés  e via!


-Balas de goma, rolos de fumo, venenos de ratos,venenos contra baratas, chicletes de bola, bolinhas de búrico, gasosa de framboesa Cini, de limão, de abacaxi, gengibirra, chicletes adams de caixinha...chapéus, de palha, de feltro, parecidos com  os do meu pai, ervas de chimarrão ...cuias, bombas iguais as dele...tantos caixotes de lavraturas dessas folhas de partilha, com quem?


Ora,caixas e caixas de sabão amazonas, banha de porco e gorducha vegetal, que a gente passava
no pão com açúcar ou com sal...Ah sim, haviam muitas latas de  banha
e cera canário... sapoléo radium e soda,também  aqueles vidros deitados,gorduchos, atarracados,com
a boca sempre virada pra dentro do  balcão,recheados de doces de "nariz sujo",aquele enrolado de creme amarelo e as queijadinhas...

E, aquelas
balas de ovos,   amarelinhas,incríveis balas de misturas com côco que a gente  esquecia sempre e chupava nos lugares mais loucos!.Pirulitos então? Melecados e a granel,chupetas,com gosto de melado,
ficavam perto das geadas e das nuvens dos algodões doces dos infernos e do céus e das marias-moles envoltas em côco queimado, aos montões nos vidros bem guardados próximos das paçoquinhas de amedoim torrado.

Mas o que eu gostava mesmo da venda de seu  Ruffino  eram aqueles novelos de lã   baratos,de todas as cores, que a mãe comprava na conta e eu fazia os pullovers dos irmãos que Maria, irmã de dona Edília e que morava numa casinha cheirosa na beira da linha do trem me ensinava.

- Ah mãe corajosa!...
que quando as panelas ficavam vazias lá ia ela na venda do Ruffino
e mesmo não sabendo  assinar direito o nome,ele a comida fiada a conta lhe fiava o preito.

E depois sempre silenciosa com sua matemática de cabeça,eis que não sabia ler nem escrever ,
ela preparava um talharim bem regado ao molho de tomates,com maionese de ovos de galinha vermelha e batatas e frango refogado com cheiro verde manjerona e levava o prato bem embrulhado, quentinho,em cheirosos panos de algodão alvejado,pra   velha  dona Conceição ,encravada no leito, no fundo
de um quarto fétido que morava lá nas mesmas bandas da Vila Lindóia e  que   ela ajudava!

-Psiuu! quieta menina!
Segura direito essa sacola!!! Me varava firme nos olhos!...