CONTRADIÇÕES

29 julho 1992 – quarta-feira

Talvez Camões estivesse certo, pois o ardume que sinto no peito

E que só eu vejo e sinto, pode ser a falta de um amor!

Bem que deixei a oportunidade passar quando,

Na infância, pratiquei amor escondido.

A inocência batia nos dois e ensaiávamos alguns amassos sem sentido:

- Acho que é assim.

- Não. Não foi assim que vimos naquele filme...

E não chegávamos a um denominador comum. Ensaiei tanto que me aborreci

E deixei o amor escapar por entre os dedos.

Mais tarde, quando a experiência habitava meus instintos, imaginei não ser oportuno

Praticar o que todo homem, na minha idade, praticava.

Não sei, mas mulher dá um trabalho!

Amor mesmo só de mãe. Este, sim, é o amor perfeito! Hoje é que sinto esta ausência.

Escutei tantos papos...

Paulo saiu com a Joana, que era namorada do Ricardo, e Ricardo os pegou juntos.

Até hoje o Ricardo não fala com Paulo.

A Cristina, a mais assanhada da turma, cismou de tomar o namorado da Rute.

Ainda brilha, em seu rosto, a cicatriz do corte com caco de garrafa.

Já parei tudo e fiquei pensando na vida. Tentei descobrir um caminho.

Não achei a saída. Se a encontrasse, talvez fugisse, por ela, de mim mesmo.

Prefiro estar junto (mente e corpo), monitorando o comportamento para sair do mico.

Menti, arrependi, disse verdades que não surtiram créditos e mentiras acreditadas,

Fingi que amava e recebi fingimento em troca.

Chorei muita lágrima amarga por inveja dos alegres e sorridentes amigos.

Mas também já verti lágrimas alegres com alguns amigos tristes; tentando mudá-los.

Fico lembrando meus gritos à beira do rio, tentando um desabafo das atribulações.

A calmaria, os piares dos pássaros, o leve soprar da brisa, a rolinha enfiando comida

Bico abaixo dos filhotinhos, os peixes do lago aflorando a água... Tudo,

Tudo me faz muito bem na hora dos meus medos.

Um quarto de século me acumula, parece ser muito mais... Já vivi demais!

Já sofri a minha parte, mas não consigo entregar meu fardo. Ele pesa toneladas!

Resolvi, então, me tornar um louco e criar fantasmas...

Certa época coloquei sentido numa moça - alguns anos mais nova - que estudava

Num curso diferente do meu, pedagogia.

Falante, corpo exuberante, cabelos brilhosos e gestos discursivos como políticos.

Estava no curso certo!

Nunca falei com ela, mas falava dela comigo. Criei seu nome, criei sua personalidade

Criei sua rotina em minha causa própria. Fiz dela minha escrava e minha musa.

Seu nome? Maria Rita...

Fui seu amor, fui seu amante, fui seu patrão e seu algoz.

Cheguei até a ter algum entusiasmo e a acreditar nele. Louco eu era! Louco estava!

Sou um alienado quebrador de normas e leis. Por que será que as normas e as leis

São tão perversas ao proibirem só coisas boas?

Não me estimulem a ser o boizinho que, cabisbaixo, anda sob o ferro do seu carrasco.

O jugo dos incautos faz-me ser o que não sou. Isso me aborrece,

Mas cada dia que passa, tenho certeza, que não serei o mesmo louco que sou.

Minha loucura aumentará ou diminuirá conforme a rotina dos meus dias...

SALLES DOS REIS

Academia Betinense de Letras
Enviado por Academia Betinense de Letras em 04/06/2010
Código do texto: T2300241