PROSEANDO COM EUCLIDES
Tere Penhabe

"O sertanejo é antes de tudo, um forte"
Euclides da Cunha

Pois é moço, senta aqui e vamos trocar um dedinho de prosa sobre a desgraceira que ocorreu, em decorrência dessa frase bonita que o senhor teve a infelicidade de escrever no seu livro, consagrado pelo público e crítica, sem saber direito do que seria capaz um outro sertanejo, diferente da sua musa inspiradora.
Vai daí, que surgiu um dia por estas bandas, um sujeito lá de Garanhuns, interior de Pernambuco, que com o correr do tempo, acabou foi "ganhando uns" às nossas custas, por conta desse teu brilhante enunciado.
Mas é claro! Um cidadão com credenciais como a dele, não poderia se encaixar com maior perfeição, no reflexo desse sertanejo que o senhor tão brilhantemente escreveu.
Um forte, decerto que ele seria, e certamente daria um jeito nesse nosso país tão sovado e maltratado pelos almofadinhas da cidade, que batiam no peito se auto declarando sábios e cultos, mas sem grande coisa no currículo também, a não ser o cognome de políticos brilhantes. Eles não eram fortes, só podia ser isso...
É verdade muita gente abraçou a causa do nosso sertanejo, e a fama do salvador da Pátria foi crescendo dia por dia, até que ele chegou, aclamado efusivamente pelas massas, à Presidência da República do nosso país.
Um Forte na presidência, era tudo que o país queria, era o sonho da grande maioria dos brasileiros, materializado naquela figura tosca e mal feita, mas brilhante no conceito do grande escritor Euclides da Cunha.
Eis que finalmente, tínhamos na presidência, alguém que "não tinha o raquitismo exaustivo dos mestiços do litoral", conforme o senhor disse em seu livro. Mesmo que, conforme o livro também, "A sua aparência, entretanto, no primeiro lance de vista, revela o contrário(...). É desgracioso, desengonçado, torto. Hércules-Quasimodo"... que mais a gente poderia pensar? Tava aí o mapa da mina, e não tinha pra ninguém!
Mas qual o quê, Seu moço dos sertões! Aquilo era pura ficção, igualzinho a sua literatura. Que tristeza! E a gente que pensava que o seu livro era um depoimento sobre o nosso herói, era apenas uma falsa profecia... que decepção!
Bom, só em parte, porque quando o senhor disse: "No revés o homem transfigura-se...", realmente, no primeiro revés do mandato do cidadão, lá se foi a coragem esplendorosa que apregoava nos palanques e comícios pelos sertões afora. A esperteza e sustância de caráter, que sempre apregoou ter aprendido para governar o país, de repente sumiu também... e tudo que ficou foi um sujeito sem graça, sem tutano, sem tino e sem vergonha também. Sim, moço, porque precisa ser muito sem vergonha pra dizer que não sabe o que tramavam na sua própria mesa de trabalho. Existe a alternativa da burrice, mas eu ainda prefiro acreditar na sem-vergonhice, afinal, eleger um sem vergonha, não é novidade pra ninguém nesse país. E ao trocar o jegue pelo aeroplano, sem mais delongas, que foi construído por mãos estrangeiras, para ser pago com dinheiro dos brasileiros, grande parte desempregados, meu sonho sofreu um abalroamento, quase capotou, quase...
Porque eu confesso que ainda fiquei na torcida por um bom tempo. Conversa daqui, conversa dali, eu esperava de uma hora para outra, uma explosão de honestidade, vinda sabe-se lá de onde, e que o moço desse o famigerado murro na mesa, fechasse o congresso, prendesse as putas, mandasse os cafetões para o calabouço, enfim, mostrasse a fortaleza do sertanejo, que afinal de contas, calou tão fundo na memória dos que leram seu livro...
Mas qual o quê, Seu Euclides... foi dureza admitir, mas chega uma hora que a verdade fala mais alto que o coração da gente, e ela grita aos quatro cantos, mesmo para quem ainda não quer ouvir... Tava ali, na cara da gente, a citação que o senhor fez, distorcida, arrancada da nossa crença à força, e ditosa como a verdade que não admite réplicas: "O sertanejo é antes de tudo... um frouxo!"
E agora José?
Ops... e agora, Euclides da Cunha? Agora é melhor partirmos para outro livro, que pelo andar da carruagem, deve acabar sendo, das duas uma: quem sabe de poesias do Drummond? Quiçá de piadas... que é a única coisa que o nosso povo ainda faz bem, haja visto a benevolência que tiveram com as famigeradas cuecas dos nossos heróis...

Santos, 21.01.2006_12:00 hs
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