A história subjetiva de Necare II

Chegara assim, só, num estupro das tranqüilidades, misturando a luz do sol com o brilho da face, me ofuscando a última paz. E foi assim, que de sentir Necare não mais consegui parar: Necare era mística e por quatro segundos me subiu as escadas na leveza de carregar o mundo nos braços; aquilo era quase poético, era quase a divisão da vida e da morte. Necare sentia frio e eu podia sentir. Os olhos de Necare pareciam dois peixes impetuosos dentro de um pequeno aquário banhado pela meia luz da lua; era de pura soberania humana.

E com Necare, aprendi a odiar meu coração como se odeia o sol do meio-dia. O sorriso de Necare era de toda a intensidade, era a intensidade, e de tão intenso, me manipulava as expressões; de lábios tão vermelhos e de dentes tão brancos; quase um anjo se devassa nãoo fosse.Necare me chamou para um labirinto eterno de múltiplas amarguras. Parecia nunca ter chorado por amor, era audaz e de suficiência inquestionável, a garota mal parecia ter inaugurado aquele lado do peito onde se sufoca e se perde em soluços por um outro ser igualmente fadado a imperfeições; Necare parecia arte.

Era tão linda que chegava a doer; suas mãos eram quentes e eu nunca as toquei. A feição de Necare era plenitude, era uma dança num musical previamente ensaiado por toda a vida, era cada qual no seu lugar e de tamanha espontaneidade feito as nuvens que se formam no céu. Um céu que, por Necare choveu temporais nesse coração amedrontado, sim, porque sentir Necare era receio.Necare tinha guarda-chuvas espertos nos dedos e nunca se molhou com as minhas lágrimas, ficava ali, parado, na estação de toda a desgraça. Até os cabelos de Necare deturpavam os meus princípios

Necare roia as unhas como quem tinha fome, muita fome. Os braços de Necare eram a cura para todo o mal que a ciência jamais descobrirá. E suas palavras eram céu estrelado a luzir Saturno poético, poético...Levava mistério por entre casacos e meias largadas, Necare transpirava segredos secretíssimos, qual haveria de ser o seu signo?Era pele alva de maçã, fresca, sem compromisso, era beleza, beleza inalcansável pelas pegadas de quem se perdeu em meio à dança das borboletas ferozes.

À Necare implorei piedade, e ela nunca o soube. A divindade de seu todo arrastou as esperanças derradeiras que eu tinha de a violinista voltar ao palco. Necare tinha o cheiro da eternidade, cheiro de boca, de perfume de limão, cheiro de inverno mal-traçado de país tropical, cheiro de chiclete de aroma esvaído. Necare cheirava a velório de todos os meus preceitos.E quando Necare se ia beber água, era quase digno de cinema, era meu coração semifugindo do peito, era quase de toda a graça, pois seus gestos eram meticulosamente perspicazes, sua postura era moldada e, seus olhos, o encaixar perfeito no levantar das sobrancelhas.Os passos de Necare se ecoavam, com temáticas infindas para o meu contentar e sepultamento.

O que Necare não sabia era que podia fazer o que quisesse de meu coração. Mas toda aquela soberania se flagelava, se submetia a sua essência um tanto quanto gótica. Necare se matava todos os dias por ser triste, Necare não passava de uma fraca, se perdia facilmente, desistia facilmente, tinha a alma facilmente infeliz.E quando subia as escadas coroada pela altivez, abaixava seus olhos ao fim do percurso e largava aquela armadura toda de peito eem combate constante do eu e suas derrotas. Necare tinha olhos fugitivos de covardia e, por não mirar em especial qualquer feição, aboliu o amor de seu viver. Necare era o pavor embriagado. Nunca carregou o mundo, carregou todas as suas mágoas.Necare era a minha paixão sem fim e muito a quis, me era atroz um desejo com tanto ardor. Necare era ascensão em meio à multidão. Necare se confundia com a realização de todos os meus sonhos enquanto acordado. Mas Necare nunca a mim quis querer e menos agora que ela se foi para um tal de sempre. Sou apenas mais um fracasso oculto na perfeição de Necare que se põe a revelar.

Flau
Enviado por Flau em 02/09/2006
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