Esperas de Mar

É homem da terra, pés rentes ao solo,

enraizando sobre o tapete sólido de barro.

Ou galopando nos prados da fazenda que não mais existe.

Ele e o seu agora imaginário alazão.

Ele e seus refúgios mentais...

Mas também é homem de cais. Há muito queimou seus barcos,

já cansado de aventuras. Das noites em silenciosos céus

revestidos de veludos, delirando estrelas.

Agora já não ousa tempestades, encolhido por trás da

palavra bem talhada, da postura estóica, do olhar

transbordande em sapiência. Íntimo de mitos, deuses e Olimpos.

Dramas épicos. Ironias.

Sombrios desertos existenciais.

Entretanto guarda um segredo: o velho medo.

Ninguém lhe percebe as vacilantes mãos.

E uiva para a Lua o lobo do mar.

Ele e seus gemidos noturnos. De Bach.

Reverberando acordes. Sinfonias de solidão.

Vai ao porto todos os dias.

Em busca daquela que lhe esvai o sono.

E que povoa de luz cada ansioso desejo.

Que o faz loucura e amplidão.

Acompanha a trajetória do Sol, a seguir o riscado do

imenso compasso invisível, até chocar-se com a linha do infinito.

O vermelho tingindo-se de azul lhe parece estranhamente belo...

O filtro da bebida amarela compõe a mistura de cores básicas.

Quem sabe atraí-la com a sutileza da Arte ?

No misturar das tintas beberia seu corpo, deleite e sofreguidão.

Mas não alcança seu intento.

Procura a mulher, que é água e vento.

E cor de aurora a escapar-lhe das mãos.

Ela e seu barco radiante, por que mares navegará ?

Ela e as correntezas errantes. Arrepios.

Ela de vozes insinuantes. Sereias.

Ela liberta, velas alvas. Imortais.

Ela imprescindível singrando tempos.

Ela em armistício. Iminência de temporais.

A Dama das Águas lhe arde o imaginário, tanto ou mais

que cada gole de aguardente. Ele a busca com a mente.

Ele a chama entre dentes. Sussurros ardentes.

As chamas do desejo arrastam correntes.

Ele banhado em suores letais.

Fazendo pactos com Netuno. Clamando urgências.

Oferendas almiscaradas em pura latência.

Os ventos não trazem sequer vestígios. Ou coordenadas.

Somente dúvidas desordenadas, miseráveis maresias ...

"Onde andará tua musa, a recusar tão orgânico chamado ?

Quem saberá porque te resiste, assim amarrada ao mastro

de um barco naufragado ?

Difícil dilema o da tua deusa navegante e fugidia.

Enfrentar monstros marinhos, maremotos, vendavais...

Ou arriscar-se a Minotauros, possivelmente fatais ?

Ou simplesmente adoráveis, sabedores de mistérios tais ?

Quem sabe seus olhares se entregam a infinitos?

Assim reverentes. Ou docemente contidos.

Sem pressa de buscar teus caminhos de voltar... "

Claudia Gadini

04/09/06