DIÁLOGO DE SURDOS

28 de abril de 2005.

Olhava o relógio ali no canto inferior direito do ecrã...

...01 e 42 da manhã.

Computador portátil em cima dos joelhos,

sobre uma almofada,

que o seu quente incomodava

ouvia com os fones colados aos ouvidos o mp3

"guitarra toca baixinho" numa versão italiana,

enquanto tentava compor em Word a versão em Publisher

para o blogue "este país… de lendas e de histórias feito”.

”Estava complicada aquela coisa... transformar Pub em Word

com aquelas imagens todas em alta resolução

e ainda por cima em tabela.

Mas pior do que a conversão – pensava – era a ausência…

era aquele nó dentro de si, aquele vazio dentro de si

a martelar saudade sem saber de quê nem de quem…”

“Saudade? Ausência? Ausência de quem? Sabia lá ele…

Tanto fazia como tanto lhe dava!

Podia até ser da lua que nesse dia não via mesmo sabendo

que havia lua lá fora.”

Agora ouvia o "Mónia" também em versão italiana

(que outra não conheçia!).

"Mónia... oh Móniaaaaaa... – deixava sair em murmúrio".

Uma música da sua juventude

que ele tanta vez tocara na viola que o acompanhava

guardando no seu bojo as imagens reais

das coisas boas da vida, que hoje eram apenas

meras recordações,

fossem duradouras ou efémeras paixões.

Lembranças que nem o tempo conseguiu fazer diluírem-se.

"Deixa de pensar nessas merdas, pá! não sejas parvo...

de que te valeu teres quase eternas ou efémeras paixões

se nem o tempo conseguiu sarar as chagas

que te abriram o peito umas e outras?" – dizia-lhe uma voz baixinho, mesmo em surdina junto ao seu ouvido.

Não era a voz dos seus botões, não,

que o que trazia vestido nem botões tinha.

”É a voz da razão! – teimava em pensar.

Porra!... sempre a merda dessa razão, dessa eterna razão

a incomodar-lhe os ouvidos.

55 anos de vida e sempre a razão...

a mesma razão a atordoar-lhe os toldados sentidos.

A razão… a razão… a razão…

nenhuma outra coisa além da razão!”

”Deixa-o ao menos mergulhar uma vez, que seja,

no lodo da vida

sem te ouvir, razão de merda, a moer-lhe os ouvidos,

a impedir-lhe que argumente a sua razão sem razão,

mesmo que caia na lama e saia dela todo encharcado

em merda até aos cabelos.” – gritava o outro à razão.

Acabou o "Mónia" e com o seu fim, o fim da sua alucinação.

Acabou-se o disco também.

Avançava a noite muito para lá das três da manhã.

Tudo tinha o seu fim, até o texto que estava a transformar

de Pub em Word e não conseguia sem saber porquê?

Mas o caricato “da coisa” é que até percebia daquilo,

mas só saía merda, porra...

”Falta-lhe algo, hoje, nesta noite. Está vazio por dentro da alma. Ou talvez até nem tenha alma... quem sabe!...” – pensava o outro.

”Alma?... mas afinal que raio de coisa é essa?” – cogitava.

Ou melhor... que merda de coisa é essa?

Amanhã havia escrever um mail à Samile Schuelter

"guri" culta, muito culta mesmo, que apesar dos seus 16 anos

lhe devia saber dizer o que é a alma.” – argumentava.

E, se não soubesse dizer-lhe o que é a alma,

atrevia-se a perguntar ao "outro eu" que passava a noite

a fossar naquele mar de recordações

que raio de coisa era a alma.

Alvaro Giesta
Enviado por Alvaro Giesta em 05/09/2006
Código do texto: T233238
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