A casa de Mariana

O que de belo ainda posso encontrar, nesse resto de ceia que é nossa vida sobre a terra? Onde o que nos faz viver nos envenena e o que nos torna exultantes é passageiro? Mariana, finalmente aparece em meu caminho, quando descrente de tudo o que parecia importante, me torno mais cínico e amargo.

Mariana sempre aparece por aqui, quando até mesmo a luz parece demoníaca, e quando as crianças se escondem nos armários para fugir dos fantasmas.

Mariana já foi triste e sozinha, mas não chora mais. Quero descobrir o que se passa em seu coração lacrado, mas se descubro, como posso viver com isso?

Então eu apenas observo seu movimento vão, seu gesto tão supérfluo e cheio de torções, e apenas em minha mente guardo sua fotografia, em preto, branco e azul.

Mariana odeia poesias, então compus para ela uma equação. Porque é imune à cretinice vigente, prefere lidar com progressões e incógnitas, como incógnita é a minha intenção.

Seja vinho, cocaína ou analgésico, tudo termina com gosto de angústia, quando acordo atirado ao chão da sala, e apenas vejos seus pés indo em direção à porta. E essa maldita porta, é o que permite esse mundo imundo entre em minha casa, me diga o que devo fazer, e mata meu sonho por não acreditar em poetas que escrevem equações.

Então Mariane sempre me oferece uma escolha, quando retorna a esse cubo com janelas fortificadas, ao me entregar um estilete e um coração partido. Isso porque preciso construir todo este equipamento bélico, para fazer a quem vem até mim, que se já fui humana, resta hoje a descrença.

Mariana talvez nem esteja mais aqui. Mas quando ela chega, veja o que se forma no céu escuro da noite mais incomum: uma lua dependurada como um trapezista, feita apenas para mim.

O que de belo ainda posso encontrar, nessas mão que já não escrevem mais, nesses braços perfurados por agulhas, nesse chão lavado pelo choro de uma noite inteira e nessa gente que entra furtivamente na minha casa, para tentar encontrar as minhas respostas?

Suicida? Não. Um, antes de tudo, cínico. Um poeta? Não. um engenheiro da feiura. Um Viciado? Não. Aquele que cospe em sua cara a sua própria falta de talento.

Durma com isso, arremedo de gente.

Mariana perdeu as minhas chaves, no meio de um campo de batalha qualquer, onde dois amantes se encontram, se amam e resolvem seguir uma banda do interior.

É assim que as coisas são por aqui: eu finjo que comando, pra não morrer de overdose.