mal-de-matilda

essa história é de matilda, minha amiga mais chegada, se cheirar femea gostasse, era dela namorada, alma boa, engraçada, tudo acontece com ela, tem sina de castigo, tudo que toca e vive, parece de inimigo; já faz tempo que a conheço, doce criatura, não aceita injustiça, confiança não injeita, mas se for caso de embate, maldade, nem morta se sujeita; discute com promotor, juiz, proprietário, não que não tenha medo, tem medo até de sombra, mas, sabe que chega hora, de paciencia e cuidado, faz de bom advogado, que a cena se ajeita; e lá vai ela, toda-toda, à feira, em plena segunda-feira, anda com pés no terra, já nem é mais tão menina, mas todo canto que passa, não passa despercebida, sempre tem quem a queira; vá saber de onde vem, atração tão faceira; sempre dada a pensar, nas coisas do mundo todo, em tudo que o Homem faz, em tudo que o faz mais tolo; é alpha na tribo, o que lhe dá bem trabalho, eita herança danada, genética, boa comida, até parece baralho, as verdades da sua vida; talvez por nunca querer, possuir, ser possuida, pobre já era antes, ficou mais pobre ainda, trabalha feito maluca, entre gente ainda mais pobre, de pobreza na cabeça; humor, que tem de sobra, é coisa de umbigo, não é fato que se esqueça, sai dia, entra a noite, aluguel, comida, açoite, se ajusta ou se arriba; restaurante, cozinha é navio pirata, fala chef entristecido, agora se mate no tanque, que a gente é que-nem-vira-lata; e um dia sem espera, chega homem bem vestido, com colete e com bigode, quer levar matilda embora, lavar, passar, cozinhar, e cumprir outros serviços que falar aqui nem pode; nem fica brava nem nada, só olha de jeito o danado, ali tecendo tão sério, a combinar o tratado; voltando senhor, terceira, quarta, quinta vez, com a coitada nem fala, só trata com cozinheiro, até parece conversa, de cafetão e freguês; matilda finge de morta, lava pratos e verdura, enquanto homem conversa, com tamanha envergadura, e se os dois nem percebem, a moça ali parada, tão parada tá é nada, sua alma de menina, se desmancha em gargalhada, ri de si e ri dos dois, não entende aquela lida, homem que tem dinheiro, outro que só labora, e ela ali no meio, se vendo, em prateleira, um comprando outro vendendo, sua sorte derradeira; nessa noite ela nem dorme, é de pensar amanhecida, tem gente que é mesmo doida, brinca, bole, faz promessa, com destino da sua vida; pensando agir direito, ter bondade nos seus feitos, não percebem, não cogitam, ser defeito ou maus tratos, tratar outra pessoa como par de sapatos; o fato é que a moça, não tão moça como disse, olha neles com carinho, não é pena não é nada, é jeito dela, compreende, é tolice, tudo coisa de menino, de infancia mal cuidada, mulher sem ser a mãe, é de corrente, destratada, uma vagina gigante, qualquer coisa que se coma; e o tempo vai correndo, muitos dias, outros meses, entre fogão e salão a conversa sempre a mesma, vai matilda, abre as pernas, que com este tu te ajeita; até que um dia entra a velha, outra peça da cozinha, chama matilda aconselha, diz que amigo do patrão, homem sério e de bigodes, é senhor de bem, respeito, tem até mãe o sujeito, paga bem, viaja muito, vai ter tempo de sobra, pode até pensar direito, escrever um livro inteiro, inda dar conta do mote; olha a velha, desconfia, será que viu tudo errado, só algo que se assemelha, não é certo dar juizo, não custa se é preciso; então decide espiar, ouvir, conversar com bigodudo, vai que nada disto é fato, vai que o fato é menos sujo, já que anda tão doidinha, sem direção nem destino, mudança de casa e tino, talvez aquilo ajude, mesmo que ajude em nada, decide, telefona, curiosa, quer encontro, entender o camarada, o que pensa, o que quer, desvendar a empreitada; ter certeza virou reza, conclusão sem ter ciencia é perigo de descuido, pode ser muita conversa e não verdade que se preza; como acaba este fato, eu nem tento lhes contar, pois que a moça tão confusa quer o dito conhecer, nem adianta conselho, mandar deixar de lado, agora nem mais trabalho, só saber, de onde começa a linha, até onde vai o fardo, prá que lado vai o ponto, se continua tecer, se abandona o bordado, se vai ser amigo pronto, o que de pronto duvida, entre tanta indiferença, e destratos nesta vida, mas é guerreira e poeta, perdeu dois irmãos passou pouco, então coisa que prá outro é chumbo, prá ela é pura sede, de tomar água em nascente, de chorar e dar risada, de dormir no frio, em rede, de morrer em campo livre, bem no meio da batalha, morte em luta, calada, também livra espírito, até de criar calo, de sentir pequeno, de virar escravo, de gente escrava ainda; e eu que entendo pouco, essas coisas todas, me parecem complicadas, fico daqui só torcendo, solidária, pois, que essa dor que arrebenta, um coração só, não suporta, eu sei, é pouco, não aguenta!

Suzane Rabelo
Enviado por Suzane Rabelo em 30/06/2010
Reeditado em 02/07/2010
Código do texto: T2350011