Conto de meio de esquina

para Luciana Sarmento

Lúbrica atmosfera de luciana. Levou-me à rua sinuosa de quando fomos pegas de assalto pela vida suburbana que virava na esquina varada de vontades, medos, dúvidas, ingenuidades, e a vida era sempre essa amizade colorida, amizade colorida de décadas subindo ladeira passando em cima dos decassílabos, cantavam os pássaros na gaiola e os roks na vitrola, também tínhamos o hinário às mãos. Era amizade colorida: era amizade de cabelos amarelos, olhos cor de mel, esverdeados e quase pretos de assustados, amêndoas doces, umas brancuras e uns rosados de tenrice, sardas leves da manhã que raiavam nas maçãs quase vermelhas da face da luz, morenices pálidas, e o escurecido destino que ninguém nos prometia, havíamos de descobrir mais tarde, não seria nem bom nem mau, era só atravessar a névoa sem violinos à frente, só depois sentíriamos ainda as vibrações de cada tom. Neblinas, nuances e sorrisos brancos, risadas cúmplices que não se perderam nem na distância do passado que parece sempre se bifurca, sustos de paixão também havíamos de levar.

Depois de compartilhar os passos ficou a adulteza mais amena? Ficou?

luciana era uma alegria de gestos ímpetuosos, leve trágicidade amena e amorosa, frutas cores nos olhos primevos, não havia tédio nas luzes, quando ela segredou gritando sem saber se sonho mal sonhado ou realidade o absurdo na sala de sono eu não soube dizer. Dormia? O que saíra do fundo daquele sonho? Quem superficial se movia na sombra da noite?

Ouve: minha orelha aberta ao teu silêncio.

Atravessamos as vozes, as mãos, as contas, os amores de meias novelas, a rua, a esquina e cá estamos com os cânticos pela metade em refrão, as colônias de revista, as salcichas, as unhas roídas, os sonos dos que não acordam mais, os teus óculos atrás dos olhos, os pêlos que nos cresciam na pele nua, a madalena distante, o barbante na cintura, carne anca para filhos, e filhos nos atravessando, é apertada a espessura do presente e esparso o futuro, parimos instantes em meio a risos cores sons cultos lágrimas e uma década de 80 cuja vida assaltava na virada da esquina do tempo e nos conduzia a uma espécie de rara rua da eternidade e é assim até hoje quando nos falamos das nossas máquinas incríveis de ser voadoras e suas memorações maravilhosas.

Alessandra Espínola
Enviado por Alessandra Espínola em 18/07/2010
Código do texto: T2385433