A FLOR FELICIDADE - DO AUTOR LUZIRMIL
Num tempo em que Luzirmil se apaixonou por uma flor...

     RELATOS DA FLOR
    -Sou uma flor. Nasci numa roseira cujo jardineiro cuidou de mim ainda em botão, como um pai, até o tempo em que minhas pétalas se desabrocharam. Eu era perfumada e por isso chamei a atenção de outros jardineiros, entre os quais, um que era estranho no jardim.
O novo zelador passou a cuidar de mim, mas logo se mostrou incapaz; era ciumento e maltratava minhas pétalas.
Sofri muito no jardim de minha existência. Meu segundo jardineiro abandonou-me, deixando-me a mercê dos visitantes aproveitadores que andavam em meio ao jardim, que me vendo indefesa me maltratavam cada vez mais. Na desventurada vida de flor que eu levava, algumas vezes era visitada pelo jardineiro ciumento, que ao invés de acariciar-me, dava-me pancadas, querendo que eu ficasse totalmente sem minhas lindas pétalas.
Minhas desditas chegaram a ponto de nem mais me consider como uma flor. Meus sentimentos se voltaram para meu fim, eu queria secar de vez e não mais existir.
Foi em meio àquele torvelinho de sentimentos que pela primeira vez um poeta visitou o jardim. As flores e o amor compunham as bases para suas poesias. Ao me ver abatida e desfolhada, ele se compadeceu de mim. Pela primeira vez, em minha visão de flor, pude irradiar toda a minha atenção para alguém. Sempre sonhara com poesias a mim dedicadas mas nunca as ouvira. Mas o poeta, como que adivinhando meu pensamento, passou a compor maravilhosos versos enaltecendo as flores do jardim, e principalmente eu. Em razão de suas estrofes passei a dar-lhe mais atenção ainda. Com o passar dos dias ele ia cada vez mais amiúde ao jardim, e mesmo contra a vontade de alguns jardineiros, lá estava ele, sempre me colocando acima de tudo e de todos.
Pobre poeta!
Creio que se encantou comigo perdidamente. Quantas vezes delicadamente ele recitava alguma quadra com palavras afetuosas e eruditas que eu nem compreendia!
Confesso que me compadeci dele! Notei que com o correr dos dias meu sofrimento passou a ser o dele também. Pena que nossos mundos eram diferentes. Eu estava na dimensão das flores, ele na dimensão dos humanos! A única coisa que ele podia fazer era cuidar de minha aparência e de minha mãe roseira. Quantas vezes ele se aproximou de mim com os olhos cheios de lágrimas, contudo punha-se a cantar!
Na integridade do meu mundo eu nada podia fazer por ele. O risco do destino havia nos colocado em dimensões diferentes na intrincada constante da existência. Eu o amava como a um irmão.
Acredito que ele tinha por mim tão grande amor afetivo, que de mim saía em forma de irradiação, uma terna retribuição por seu afeto.
De minha parte, o que podia fazer era ficar sempre mais viva e mais perfumada, devotando-lhe minha atenção de flor, e traduzindo-lhe sintomaticamente uma esperança de que um dia haveria um final de suas dores.
Confesso que a fonte de minha formosura, e a vida de minhas pétalas, eram avivadas por suas doces poesias.
Com ele aprendi a admirar as estrelas. Ele gostava de cantar. Sua afinada voz vibrava nas folhas de minha mãe roseira. Eu me regozijava ao vê-lo próximo de mim; sentia-me bem e com segurança. Apelidou-me de flor feiticeira. Os jardineiros me respeitavam, os insetos não me feriam; nem mesmo os beija-flores me tocavam com seus pontiagudos biquinhos. Eu era uma flor marcada pelas desditas, mas feliz por tê-lo sempre perto de mim.
Ah! Certo dia, de tristeza para mim, ele se acercou de minha roseira mãe e sussurrou-me que se desencantara de meu fascínio, mas que continuaria a me querer bem. Disse que o destino se apiedara dele e fizera uma curva, fazendo que se reencontrasse.
Vi que se libertara de seu afeto por meus fascínios. Mas não me entristeci, pois ele disse que iria a procura de um jardineiro bondoso pra cuidar de mim. E foi o que aconteceu. Fiquei contentíssima, pois mesmo com muitas agruras, pude ter relativa felicidade pelo zelo do bondoso jardineiro a quem me indicou, este cuidava de mim com devoção. O poeta deu-me condição de ser feliz.
Pobre poeta! Creio que suas lágrimas mudaram a rota de seu destino. Mas ele continuou, ainda que periodicamente, a me visitar, até que na tarde de um certo dia, ele disse:
-Adeus minha querida flor – e partiu, só deixando-me o doce sabor de suas poesias!