instâncias da casa da Vó

Brotava da fruteira, herdada da avó, as bananas de amarelo vivo, mas um amarelo já desmanchado de tempo, da cor do vestido de Irene esguia. A casca partindo, enegrecendo em manchas, a fruta haveria de sair da fruteira, mosquitos rondavam sem zunir na mesa, só sobrevoavam o cheiro de madurez da polpa. Aquele cheiro também brotava do quintal, exalava pra não sei onde. Era um esconde-esconde tropical, brincadeira de viver atrás do cheiro das coisas ainda vivas, tudo aquilo dava-me salivações.

***

Do vasculhante do quarto, o verde se expandia. Era manhã já tardia, era tarde e era sempre uma lua baça no vidro turvado de texturas ovais e pontos escuros brilhantes de jabuticaba do morro dando de cara com Nossa Senhora da Penha. A colcha bem esticadinha na cama, cores primárias que se complementavam em desenhos de flores felpudas e fundos escuros. Amarelo sobre roxo, vermelho sobre o verde floresta. Sobrava ao pé da cama os chuviscos de fiapinhos brancos, soltos como cabelos espreguiçados no chão. Aquela colcha passada à carícias de cabelos cinza-prateados cobria todas as rugas.

***

A chuva bem caía, Iemanjá prateava do quadro na parede da sala e era um bem estar aquele taco que me rangia suave à medida em que eu penetrava a penumbra da casa no alto morro, me recepcionava um mar de cheiro de rosas colhidas, de maresia de cima ondulando debaixo das vestes azuis da mulher de cabelos molhados saindo da pintura, cheiro de chuva salpicando as folhas das plantas que guardavam o quintal, a agudeza voraz dos olhos dos cães vazavam pela janela e pela cortina estampada de águas, a chuva ia penetrando vagarosamente a terra, esse cheiro ressendia misturado ao cheiro do café de bule, coador e tudo-mais! Clara Nunes e Martinho da Vila tocando na radiola, dentro da casa também era clara a noite. Também o sorriso nos olhos de Preto Velho, sempre novo o cachimbo preto esfumaçando como uma dança que me seduzia docemente, sempre nova a roupa branca... sempre novo o sorriso de marfim, aquele sorriso claro olhando o espírito das coisas que crescem e aquele cheiro de caramelo na pele macia das coisas e da minha infãncia na casa da Vó. Sim, tudo isso dava-me salivações.

Alessandra Espínola
Enviado por Alessandra Espínola em 31/07/2010
Reeditado em 11/08/2010
Código do texto: T2410824