prosa com fendas para intervalos

Estou no intervalo e resvalo por alguma brecha no tempo.

E na memória. Na memória? Como na memória se não foi vivido no tempo corrente do espaço. O espaço se abre no tempo, é assim (?). Estranho dizer, mas por algum espaço resvalamos a uma espécie de futuro. Espécie de futuro é um espírito permeado de vivências e compreensões mínimas? Futuro são galhos de uma mesma árvore.

Chove, só chove e faz frio.

Escuto os barulhos da sua boca quando vais tomar um gole de água, os lábios beijando a taça, a água molhando a língua e o gole descendo lento atravessando a secura dos dias esgarçados e das falas desencontradas.

Também ouço os barulhos de dentro. Sabe quando dentro da gente fala? Ronco de motor ao longe. E a chuva cai tamborilando meu teto de amianto. Tua quentura no meio da chuva eu pensei. Pensei a gente recolhido abrigo - um no outro. Pensei no obsceno de estarmos longe tão excluídos e desabrigados na distância.

Também uma hora dessas a chuva cessa - é tão boa a chuva - mas uma horinha devagar que seja ou dum instante pro outro ela há de nos dar um intervalinho. E depois da chuva alguma coisa ainda há de florescer e desflorecer de novo. Desflorescer é coisa bonita de se admirar, não se admire do que estou dizendo. A ocridade das coisas é tão viva e é um sossego que faz sorrir. Só que as chuvas ainda molham maio, junho, julho e agosto se molha com céu azulzinho, água de vento ainda por cima.

As águas molham as palavras saídas de minha boca indo para casa, digo eu indo para minha casa, e tomam outra sonoridade, sentidos se desmancham no tempo. Goteiras pingam nos escritos sobre a mesa. Uma rodela da caneca mancha de café o texto que acabara de amanhecer, amarrotados ainda o significado o nome das coisas, acordam os sentidos. Quando amanhece, levanto com a canseira do sol molhado - pesa que só viu? Um sol enxarcado de ontem.

E bem no meio do deserto nosso passo em caminho abre o tempo em fenda funda que caímos, caímos e levitamos, levitamos- infinito o deserto, vês? Nós é que voamos areia flor asa brisa escama bolha d'água no vento.

Aqui eu sei: é só um intervalo de amar.

Alessandra Espínola
Enviado por Alessandra Espínola em 16/08/2010
Reeditado em 19/08/2010
Código do texto: T2441203