Seus olhos, verdes. Um verde já cansado desbotado pelas intempéries da vida. Seu corpo franzino, cabelos ralos escondidos pelo boné encardido.Seus passos titubeantes denotavam estar completamente ébria. Mais uma banida da sociedade, que afogava no álcool todas as suas desditas.
Nosso personagem onde se encontrava? Simplesmente num ônibus do mar. Não, não estou enganada...trata-se de uma excentricidade, creio que só da Paraíba. São carcaças de ônibus acopladas a barcos que fazem a travessia de Cabedelo para Forte Velho. Nós passageiros vamos dentro do tal ônibus, com direito a chuva de mar no rosto. Imagina agora tudo isso, com nossa personagem, como passageira a declamar versos. Liricamente embriagada dizia.
Se a vida fosse boa,
Se a gente nunca morresse,
Se o mar fosse de cachaça
Eu queria ser um peixe.
Se o mar fosse um caderno,
E as águas papel pautado,
Não cabia as cachaças,
Que eu tenho tomado.
A sua poesia falava de mar, de cachaça, de desejos. Parecia um abafado grito de socorro.Era um grito de solidão.
 Uma ternura cresceu dentro de mim pela minha companheira de banco, e de poesia.E, ela continuava, e, cada vez mais eu acreditava o quanto fui ousada quando me acreditei poeta. Poeta é você, minha doce amiga de olhos cor do mar. E, ela continuava:
Eu subi num pau linheiro
Eu desci num pau corcunda,
Eu sou deixo de beber,
Quando acabar o mundo.
E, falava de passado:
De primeiro, antigamente,
Quando uma moça se casava,
Todo mundo admirava,
Mas, hoje a realidade,
A humanidade desfaz.
E, se eu ainda fosse moça,
Eu não casava mais.
Que eu não sou couro de pescoço,
Pra ficar pra frente e prá traz.
E, no balançar das ondas, das rimas tortas, o ônibus continuava seu curso. Estávamos unidas pelos versos, só que minha embriagues era de beleza.
Salve, salve, minha doce poeta de olhos verdes cor do mar!

(Ilustre desconhecida Mary Help Milk)