Tornei-me um amigo

Temi estar atado a memória. Tentei de todo modo, enrijecendo cada músculo, contorcendo cada articulação, libertar um de meus braços, pernas, ou qualquer parte do meu corpo. Minha cara sempre esteve despida.Meus olhos vislumbravam o horizonte que me surgia embaçado ou a realidade, que ainda me parecendo torpe surgia em cores vibrantes, mil matizes.

Temi viver em uma cúpula de pânico da qual só conseguia me libertar através do meu próximo. Mas não me via tão altivo e arrogante a ponto de julgar-me completo por mim apenas? E não era eu tão arrogante, como condiz com minha natureza falha, a ponto de me apartar sem cautela?

Talvez este seja o limite que me separa da felicidade. Ora, que nos separa a todos, prefiro dizer. Não quero falar de mim. Ora ainda, mas porque não? De que adianta declarar-me calado de mim se minha assinatura há de figurar na última linha.

Hoje tenho documentos e uma força impetuosa. Talvez eu deva olhar para trás e mensurar o quanto fui indisposto. Ora me indispus com você também, mas não direi que não foi por mal. Não foi. Mas o que não foi se estabelece com uma consistência tão concreta, que nada do que é pode amenizar o peso corrosivo e incômodo do que poderia ter sido e foi abortado.

Vivo fazendo abortos e nasci menino. Sendo assim meu embate com o pânico é inevitável. Pois tornei-me homem. Sou sujeito e sujeito... Mas nem a tudo me sujeito, porque me apeguei a minha razão, tão sonora aos meus ouvidos, que me diz que o mundo é injusto e que nenhuma pergunta deve ficar sem resposta, e nenhuma ofensa sem um murro, assim como um amor não deve ser privado de um acalanto. Daqueles compostos com sussurros noturnos e agridoces nos entrelaces de corpos, enquanto o amor acontece, figura e solidifica. Porque o que se tem também pode ser sólido. Ora, mas porque me pego atrelado ao esvair? E ao passado? Sou nostálgico, pessimista ou passado mesmo, daqueles que não andam? Perguntei-me num momento oportuno, porque também sei ser oportuno, mesmo quando adentro o mundo com pontapés impetuosos que deslealmente atribuo a minha juventude. Ora, mas se já me julgo homem não posso agir de modo juvenil. E assim me pergunto se devo questionar meus limites e minha imposição diante das pessoas. E assim me pergunto que espaço pode ocupar o amor no peito de um homem, ou ainda de um feito eu.

Sei que questionei de mais e a reposta foi simples como nunca pude formular uma pergunta na minha vida: não. E deste não passei a me pegar clandestino e embriagado. De humanidade e amor. A transpirar sob efeito dos ares que tornam o mundo interessante para mim. Bebi doses fortes de mim mesmo, embebedei-me de tal forma que toquei minha face mais intima com luz, não de maneira narcisista. Foi de uma forma apaixonada, por tudo o que gera, aborta. E tornei-me um amigo, se despindo como o horizonte hoje.