CIDADE DO MAR II



          Nem sempre é possível escrever aquilo que se está sentindo de uma maneira a se fazer entender a profundidade ou intensidade daquilo que se sente. Não é muito diferente disso o que acontece com milhares de pessoas por aí afora.

          É assim comigo também.
Com o passar das horas e dos dias, sinto uma aflição que me tira a calma. Uma necessidade de gravar minhas lembranças como se por alguns instantes elas me fossem ser arrancadas, escorregando pelos vãos dos dedos: areia que se dissipa ao vento; uma fragrância que se espalha e se perde.
          Às vezes me sinto como se algo em meu interior quisesse fluir de mim. Uma mina inesgotável que jorra e, é como se isso fosse à única coisa que verdadeiramente seja boa ou importante.
          Tenho perdido o sono. Por diversas noites, me perco em pensamentos e não consigo chegar a nenhuma conclusão e, tudo que me importa é escrever a minha história. Assim, garantiria que meu destino seguisse o curso mais apropriado, numa tentativa vã de moldá-lo a cada nova palavra. Mas, quem é capaz de traçar seu caminho da forma que melhor lhe convém! Tudo é uma questão de opção, uma escolha em determinada volta da estrada e nessa encruzilhada quase nunca é possível retornar sem que para trás haja mortos e feridos. Fantasmas, o que é bem pior.
          Na incrível solidão que tem se tornado meus dias, me surpreendo recordando meus dias de infância, meus amigos de infância, as brincadeiras inocentes e me questiono sobre os motivos que fizeram com que a minha vida tivesse tomado o rumo que tem hoje.   Quais teriam sido as necessidades que fizeram com que eu estivesse hoje exatamente onde estou. Ou seja, lugar nenhum de mim mesma, numa constante busca, seguindo sempre sem encontrar razão de ser em meus dias.
          Minhas tardes se voltaram totalmente à introspecção, me escondo na penumbra que antecede a noite depois do dia e tenho a nítida impressão de que sou a única pessoa do mundo capaz de sentir esse breve espaço que precede a escuridão.
          É nesse curto tempo que me encontro um pouco. Sinto-me o próprio espaço aberto entre o dia e noite que a toma.



Do Romance CIDADE DO MAR
                  
Por Andrea Cristina Lopes





AndreaCristina Lopes
Enviado por AndreaCristina Lopes em 02/11/2010
Código do texto: T2591606
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