"Sentiminto"

Sinto que às vezes é fome

E me sinto saudades

E sinto um frio horrendo

De um medo tépido

E desonrado do fim da existência

Sinto um enorme vazio no peito

Sinto ouvir garrafas quebrando

Sinto estalos no vento

Sinto-me às vezes sem nome

E me sinto indigente

E sinto cheiro –

Cheiro de fome, ainda.

Sinto sentir o que não me pertence

Sinto às vezes que é dor

Sinto que é imediatamente o inverso

Sinto-me a última palavra do jantar

Sinto-me esquecido

Sinto-me pairando num deserto desalmado

Sinto-me reles mortal ao apreço de uma divindade

Sinto-me suficientemente incapaz de me definir

Sinto-me o meio no meio do nada

Sinto-Me às vezes compassivo

E, por vezes, demasiado agressivo.

Sinto fome e frio ainda.

Sinto-me sem vontade de regurgitar os infortúnios.

Sinto cheiro de torta

Sinto muito, mas não sinto mais nada.

Sinto minha alma desfalecida

Sinto meu corpo em chamas

Sinto minhas renúncias incandescer

Ao passo que meu cérebro rasteja sobre os resquícios de pecados

Sinto retumbar minha marcha fúnebre

Sinto ouvir rostos alegres

Sinto beijar o cinismo dos meus amigos

E sinto tocar um pequeno espaço, frio, solitário e meu –

Sinto-me “sete palmos de terra”.

Bruno Cabelo
Enviado por Bruno Cabelo em 13/10/2006
Reeditado em 13/10/2006
Código do texto: T263711