"Sentiminto"
Sinto que às vezes é fome
E me sinto saudades
E sinto um frio horrendo
De um medo tépido
E desonrado do fim da existência
Sinto um enorme vazio no peito
Sinto ouvir garrafas quebrando
Sinto estalos no vento
Sinto-me às vezes sem nome
E me sinto indigente
E sinto cheiro –
Cheiro de fome, ainda.
Sinto sentir o que não me pertence
Sinto às vezes que é dor
Sinto que é imediatamente o inverso
Sinto-me a última palavra do jantar
Sinto-me esquecido
Sinto-me pairando num deserto desalmado
Sinto-me reles mortal ao apreço de uma divindade
Sinto-me suficientemente incapaz de me definir
Sinto-me o meio no meio do nada
Sinto-Me às vezes compassivo
E, por vezes, demasiado agressivo.
Sinto fome e frio ainda.
Sinto-me sem vontade de regurgitar os infortúnios.
Sinto cheiro de torta
Sinto muito, mas não sinto mais nada.
Sinto minha alma desfalecida
Sinto meu corpo em chamas
Sinto minhas renúncias incandescer
Ao passo que meu cérebro rasteja sobre os resquícios de pecados
Sinto retumbar minha marcha fúnebre
Sinto ouvir rostos alegres
Sinto beijar o cinismo dos meus amigos
E sinto tocar um pequeno espaço, frio, solitário e meu –
Sinto-me “sete palmos de terra”.